Por Davi Caldas

Nesta semana o cantor e compositor Marty Sampson, do famoso ministério de louvor Hillsong United, publicou em seu Instagram um texto onde diz que está perdendo a fé no cristianismo. Como ele apagou a mensagem algumas horas depois, eu não consegui o texto inteiro. Mas gostaria de comentar trechos que catei em vários sites que noticiaram o fato. Ele começa sua publicação dizendo:

“Hora de uma conversa real. Eu estou genuinamente perdendo minha fé, e isso não me incomoda. Tipo, o que me incomoda agora não é nada. Estou tão feliz agora, tão em paz com o mundo. É louco”.

No mínimo, estranho. Se Deus existe, qualquer coisa que se relacione a quem é Deus e o que Ele deseja de nós se constitui a mais importante verdade do mundo. Sendo ele cristão há tantos anos e líder de um ministério de louvor mundialmente famoso, deveria se preocupar muito com isso. “Estou perdendo minha fé”, até onde entendo, significa: “Ainda não perdi, estou com dúvidas”. Estar com dúvidas em relação ao cristianismo significa que o cristianismo ainda pode ser verdade. Como alguém pode estar em paz quando não tem certeza se a coisa mais importante do mundo é verdade ou não?

“Este é um momento ‘soapbox’ [expressão usada para ‘discursos’], então aqui vou: Quantos pregadores caem? Muitos. Ninguém fala sobre isso. Quantos milagres acontecem? Não muitos. Ninguém fala sobre isso. Por que a Bíblia é cheia de contradições? Ninguém fala sobre isso. Como Deus pode ser amor ainda enviar quatro bilhões de pessoas para um lugar [inferno], tudo porque eles não creem? Ninguém fala sobre isso. Os cristãos podem ser as pessoas mais preconceituosas do planeta – eles também podem ser algumas das pessoas mais bonitas e amorosas. Mas [ser cristão] não é para mim. Eu não estou mais presente”.

Aqui Sampson faz vários questionamentos que, aparentemente, são algumas de suas razões para estar perdendo a fé. Mas tudo é muito confuso. Ele começa apontando o fato de que muitos pregadores caem. E daí? Isso é uma razão para duvidar do cristianismo? Qual é o nexo causal entre os pregadores que caem e a veracidade do cristianismo? Eu realmente não consegui captar. Se isso realmente é uma das razões para abalar a fé de Sampson, isso revela algo assustador sobre suas crenças: elas estavam e estão baseadas, ao menos em parte, em pessoas. Se os pastores vão bem, sua fé no cristianismo vai bem. Se os pastores vão mal, sua fé no cristianismo desaba. O problema é que isso não só é irracional como anticristão. O evangelho requer que o centro de nossa fé seja Cristo, não a postura de homens (seja lá quais forem).

Em seguida, Sampson questiona quantos milagres ocorrem. Responde que “não muitos”. Ora! Então, ele ainda acredita em milagres. Milagres são, por definição, raros. Eles são intervenções anormais de Deus no curso normal das coisas. Por que Deus não faz milagres a todo o momento? Porque Deus criou um universo racional, com leis fixas e curso rotineiro. Fez isso justamente para que pudéssemos viver em um mundo em que é possível entender fenômenos naturais, calcular probabilidades e esperar determinados resultados com alto grau de certeza. Assim, quando Deus intervém de um modo que muda nossas expectativas naturais, isso cria um choque. Esse choque serve de sinal para questões importantes que Deus só poderia enfatizar através de milagres. Em suma, não vai chover milagres todos os dias. Quem vê um milagre durante uma vida já está vendo muito. Isso é assim desde que o mundo é mundo.

Em vez de pedir chuva de milagres, Sampson deveria estudar mais a Bíblia, bem como exegese, hermenêutica, apologética, lógica formal, arqueologia bíblica, história, ciência, etc. Deus se manifesta mais através da sua Palavra, da razão e das ciências do que por meio de milagres. Milagres são a cereja do bolo.

Logo depois, Sampson afirma que a Bíblia é cheia de contradições. Em plena era da internet, é ridículo uma pessoa da mídia como Sampson dizer uma bobagem dessas. Há diversos livros de teólogos de peso explicando essas supostas contradições. É só fazer uma pesquisa rápida no Google.

Dois livros que li e que considero muito bons para quem está iniciando no tema são: “Manual popular de dúvidas, enigmas e ‘contradições’ da Bíblia”, de Norman Geisler, e o livro “Crenças Populares”, de Samuele Bacchiocchi. Para quem gosta de vídeos, o debate entre o Dr. William Lane Craig (PhD em teologia e filosofia) e Bart Ehrman sobre a ressurreição de Jesus Cristo é também muito instrutivo. Com esses três materiais, já é possível chutar para longe essa ideia de que a Bíblia “está cheia de contradições”.

Sampson termina seu conjunto de “argumentos” questionando como Deus pode enviar para o inferno 4 bilhões de pessoas só porque não creem. Há muitos problemas nessa questão. Em primeiro lugar, como Sampson pode ter certeza que quatro bilhões de pessoas vão para o inferno? Não temos como saber exatamente no que cada pessoa do mundo acredita, se em algum momento da vida ela entrou em contato com o evangelho, ainda que em uma versão distorcida, e se na hora de sua morte não se voltou a Jesus Cristo. Assim, esse tipo de inferência não cabe a Sampson, nem a nenhum ser humano.

Em segundo lugar, podemos perguntar o contrário. Como Deus poderia enviar para o céu bilhões de pessoas que não creem nele e/ou não desejam agir segundo a sua vontade? Sem dúvida, se Deus fizesse isso, continuaríamos tendo no céu os mesmos problemas que temos hoje na terra. A salvação não é para quem acha melhor andar nos seus próprios caminhos, mas para quem reconhece que todos os problemas humanos que hoje existem foram causados justamente pela nossa teimosia em fazer o que Deus disse para não fazer. Assim, por uma questão de lógica, quem não deseja andar na verdade, não pode entrar no céu.

Finalmente, é triste que a crença no inferno como um lugar e tormento eterno tenha se tornado um dos pilares da maior parte dos cristãos. Mas a verdade é que esse ensino não é bíblico. Eu falo sobre isso aqui e aqui. Se Sampson fosse um adventista do sétimo dia, ao menos esse questionamento não faria parte de seu rol de dúvidas.

Marty Sampson termina o trecho dizendo que os cristãos podem ser as pessoas mais preconceituosas do planeta, mas também as pessoas mais bonitas e amorosas. Não sei qual é o argumento que o cantor tentou expressar aqui. Seria que o cristianismo não garante que os cristãos serão sempre bons e amorosos? Que existem bons cristãos e maus cristãos? Se é esse o argumento, mais uma vez isso revela algo muito errado nas crenças de Sampson: ele acha ou achava que o simples fato de ser cristão fazia uma pessoa se transformar num anjo. Obviamente, ele se frustrou. Viu que não é assim. E o que concluiu: se o cristianismo não faz todos os cristãos serem bons, então é só mais uma religião comum.

O problema da conclusão de Sampson é que a Bíblia jamais nos ensinou a ideia de que ser cristão nos transforma em pessoas boas. Pelo contrário, a Bíblia deixa claro que existe na Igreja o joio e o trigo; aqueles que falam em Jesus, mas não fazem a sua vontade; aqueles que causam problemas dentro da Igreja. Que Bíblia Sampson tem lido durante todos esses anos? Fica o questionamento.

O cantor continua:

Eu quero verdade genuína. Não o tipo de verdade ‘eu apenas acredito’. A ciência continua perfurando a verdade de todas as religiões. Muitas coisas ajudam as pessoas a mudar suas vidas, não apenas uma versão de Deus.

Não parece que Sampson realmente está numa busca genuína pela verdade. Quem busca a verdade genuinamente estuda antes de vir à público falar besteiras. Ele é um grande influenciador. Deveria pensar nisso antes de despejar suas ideias mal formadas em seu Instagram. O que ele diz demonstra que ele leu pouco (se é que leu), refletiu pouco e está se deixando levar apenas pela própria rebeldia. O que desencadeou isso, eu não sei.

Sampson diz que a ciência está perfurando as religiões. Talvez seja verdade em relação a muitas religiões, mas não em relação ao cristianismo. A ciência, por exemplo, nos mostra que o universo teve um inicio e uma causa, algo que a Bíblia diz há milênios. A ciência mostra que toda a estrutura do universo e da vida são extremamente complexas, o que apenas dá razão para deduzir que isso não veio do nada, mas foi projetado por uma mente superior. A ciência busca entender os fenômenos naturais, e não há nada na Bíblia que proíba ou desestimule isso.

O que então a ciência está perfurando? A crença em milagres? Ora, isso não faz sentido. Se a ciência estuda, por definição, o mundo natural, é óbvio que não conseguirá analisar fenômenos sobrenaturais. Não está no escopo da ciência. Foge ao seu alcance. Exigir isso é como exigir que a gramática comprove teoremas matemáticos. Em suma, Marty Sampson parece não ter ideia do que está falando.

Sobre a questão de muitas coisas ajudarem as pessoas além de “uma versão de Deus”, Sampson demonstra que sua ideia de Deus é a de uma muleta. Muleta por muleta, eu posso ter a muleta que eu achar melhor. O problema dessa visão é que ela relativiza a verdade. A questão não é se Deus “serve” ou não para nossa vida emocional. A questão é se Deus é verdade ou não, se Jesus é verdade ou não. Uma ideia pode servir muito bem para nos afagar, mas se não é verdade, não tem valor objetivo. Por outro lado, uma ideia pode ser aterradora. Mas se for verdade, é melhor encará-la do que fingir que ela não existe. Deus existe ou não. O cristianismo é verdade ou não. Simplesmente não há meio termo. E saber qual é a verdade é libertador.

“Eu poderia continuar, mas não vou. Ame e perdoe absolutamente. Seja gentil. Seja generoso e faça o bem aos outros. Algumas coisas são boas, não importa em que você acredite. Deixe a chuva cair porque o sol vai nascer amanhã”.

Aqui Sampson entra numa postura de self-service religioso: pega o que quer, joga fora o que não quer. Mas a lógica não nos permite isso. Para começar, só existe um padrão moral objetivo ou valores objetivos se estes transcenderem tempo, espaço, matéria, cultura e gostos. Assim, para crer em valores reais é necessário crer que esses valores descendem de algo que existe além da natureza. E, obviamente, esse “algo” precisa ser um ente pessoal, já que moralidade não é atributo de coisas, mas de seres animados, seres com personalidade. Em suma, para que coisas como “amar”, “perdoar”, “ser gentil”, “ser generoso” e “fazer o bem aos outros” sejam realmente coisas “boas”, é preciso que exista um ser pessoal transcendente em cuja esses valores subsistem. É o que os teístas chamam de Deus.

Sampson, portanto, erra ao dizer que não importa no que acreditemos algumas coisas são boas. Ele está tentando dizer que independente de ser cristão ou não, de crer em Deus ou não, existe um “bem”. E não é assim. Logicamente falando, se Deus não existe, bem e mal, justo e injusto, certo e errado, são apenas convenções sociais. Nada mais que isso. São ilusões convenientes criadas pelos homens. Não há “bem” real. Sampson pode até rejeitar o cristianismo, mas não pode rejeitar Deus se quiser continuar crendo em “bem” e, ao mesmo tempo, ser lógico.

Por outro lado, rejeitar o cristianismo deixa Sampson numa situação difícil, pois é apenas no cristianismo que Deus se revela ao homem em carne, salvando-o do mal que ele não pode pagar. E é apenas na tradição judaico-cristã que a moralidade humana é elevada (apesar de, sim, haverem judeus e cristãos ao longo da história e até hoje que não agiram de acordo com os princípios de suas próprias Escrituras). Sampson deveria pensar mais se realmente achará “bem” e “redenção” em alguma versão de Deus fora do cristianismo.

Sampson provavelmente sentiu o peso das críticas e apagou seu post. Vivemos em um momento da história onde as pessoas com muitos fãs não tem muita coragem de defender suas posições com firmeza na internet. Aos primeiros sinais de críticas mais fortes, apagam seus posts, desativam suas redes sociais ou pedem desculpas.

Após apagar seu post, Sampson fez outras postagens. Em uma delas, compartilhou a foto de cinco apologistas cristãos: William Lane Craig, John Lennox, Ravi Zacarias, Michael Licona e Frank Turek. Na legenda afirmou: “Eu não conheço esses homens pessoalmente, mas eu os assisto regularmente e ouço seus argumentos. Se você não sabe quem eles são, talvez você queira descobrir mais sobre eles”.

Das duas uma: (1) ou Sampson nem sabia da existência desses homens, mas, ao ser pressionado em seu post, resolveu pesquisar e fez essa postagem para melhorar a sua imagem diante do público ou (2) ele já conhecia e, portanto, sua absorção do conteúdo foi péssima. Afinal, os questionamentos de Sampsom não denotam advirem de uma pessoa que mergulhou na apologética, mas de alguém que nunca sequer ouviu falar sobre esse termo.

Em outro post, Sampsom afirmou que não perdeu a fé, mas que sua fé está num terreno extremamente instável. Também chegou a dizer em outra ocasião que não precisa de julgamentos, mas de compreensão.

As declarações de Marty Sampsom salientam que muitas vezes, nos ministérios de música (sobretudo os que são orientados para jovens), sobra bastante emocionalismo, êxtase, histeria e espetáculo. Mas falta estudo bíblico sério, fincado nas regras básicas de interpretação e na correta relação com as demais áreas do conhecimento. Em suma, falta teologia de verdade. As emoções, a alegria e o dinamismo são importantes, mas não podem substituir um bom preparo intelectual. O intelecto faz parte da vida espiritual e quando nossa fé não está bem alimentada em sua parte racional, é fácil que em algum momento de desânimo, passemos a duvidar de nossas crenças.

O caso de Sampson também nos alerta para a fragilidade de um cristianismo baseado apenas em experiência subjetiva, estudos bíblicos rasos e uma postura relativista. Essa é a cara do cristianismo pós-moderno; um cristianismo em que mais vale ser alguém legal e se divertir do que aplicar-se na verdade, pregá-la e vivê-la à todo o custo. Sampsom é vítima do que já ocorre com muitos jovens cristãos há décadas. Muitos desses jovens, admiradores de Hillsong United.

O problema não está nas músicas da banda (das quais eu também gosto), mas na postura de seus integrantes e sua igreja-mãe. O cristianismo do “cara legal” não tem substância. Ele pode emocionar e levar muitos jovens para a Igreja. Eles pularão, chorarão e sorrirão. Mas em poucos anos estarão, em grande parte, fora da Igreja, afundados na lama do relativismo e da frustração com os falsos cristãos. Essa história nós já vimos e vemos todos os dias. Que Deus tenha piedade dessas pessoas e de Marty Sampson.