Por Davi Caldas

Tenho quatro alertas para o leitor antes de começar o texto: (1) esse artigo é longo (para ser mais preciso, 28 páginas A4, fonte Times New Roman, tamanho 12); (2) esse artigo contém fatos que você tem a obrigação moral e ética de ler se quer ter alguma opinião sobre Ellen White, seja positiva ou negativa, quer para defendê-la ou quer para atacá-la, sendo você um adventista do sétimo dia ou não; (3) esse é o primeiro artigo de dois – no segundo, tirarei algumas conclusões gerais com base nesses fatos; (4) o objetivo principal da exposição desses fatos (e das conclusões gerais no próximo artigo) é combater, através da verdade, dois grupos muito prejudiciais à causa da IASD: fanáticos por Ellen White e críticos desonestos de Ellen White (falarei melhor disso no segundo texto). Meu conselho, portanto, é: leia esse texto e o próximo! Mesmo que você o faça ao longo de vários dias.

Os Catorze Fatos

Fato 1: As doutrinas fundamentais da IASD não vem de Ellen White

Nenhuma das doutrinas fundamentais da IASD foi estabelecida a partir dos escritos de Ellen White. Peguemos, por exemplo, as doutrinas distintivas (aquelas que diferem da maioria das igrejas protestantes): sábado, mortalidade da alma, santuário celestial e reforma da saúde. A doutrina do sábado chegou à denominação por pelo menos duas pessoas: (a) Raquel Oakes, uma batista do sétimo dia que distribuiu algumas publicações sobre o sábado em Washington, em 1844, alcançando alguns mileritas como o ministro metodista Frederick Wheeller; (b) T. M. Preble, um milerita que entrou em contato com grupos sabatistas formados por Raquel Oakes, tornou-se sabatista e começou a publicar material sobre isso em 1845; e (c) Joseph Bates, que acabou lendo um folheto de Preble sobre o sábado, também se convenceu e passou a escrever a respeito em 1846. Foi Bates também, através de estudos mais aprofundados, que começou a associar a questão do sábado com as três mensagens angélicas de Apocalipse 14, um tema caro para os adventistas do sétimo dia.

A doutrina da mortalidade da alma chegou à denominação através de George Storrs, um ex-ministro metodista. Ele começou a estudar o tema em 1841, a partir dos escritos de Henry Grew, um batista. Juntamente com Carlos Fitch, que também aceitou o ensino, ele assumiu a tarefa de espalhar o ensino entre os mileritas em 1844.

A doutrina do santuário celestial foi desenvolvida por Hiran Edson e Owen R. L. Crossier. Os dois estudiosos consertaram os erros nos estudos do batista Guilherme Miller, a respeito das 2300 tardes e manhãs. A interpretação, vale lembrar, se baseia no método historicista, que é uma herança dos primeiros protestantes (Lutero, Calvino, etc.) e remonta interpretações de muitos rabinos judeus ao longo dos séculos.

Finalmente, a reforma de saúde já era seguida por Joseph Bates antes de Ellen White ter as primeiras visões a respeito. Outros cristãos de sua época já começavam a se preocupar com os problemas do uso de álcool e tabaco. E ainda antes dele, John Wesley, líder metodista, já escrevia sobre a importância dos bons hábitos de saúde para o cristão.

Em suma, essas doutrinas não adentraram a Igreja Adventista por meio de Ellen White, mas de pessoas diversas, algumas das quais sequer não se tornaram adventistas posteriormente. Para além disso, todas essas doutrinas estão fortemente baseadas nas Escrituras Sagradas, podendo ser descobertas exclusivamente pelas Escrituras. No meu artigo, “Quando Ellen White (e não a discussão bíblica) se torna o centro das atenções dos críticos”. Lá falo um pouco sobre como me tornei adventista apenas a partir de estudos bíblicos e não por visões e escritos de Ellen White.

Fato 2: Ellen White defendia a Sola Scriptura

Ellen White sempre ensinou que todas as doutrinas deveriam ser provadas pela Bíblia, que a Bíblia interpreta a si mesma e que devemos estudá-la com afinco. Ela também protestou vigorosamente contra aqueles que procuravam usar os escritos dela para resolver divergências teológicas, formar doutrina e interpretar a Bíblia. Para ela, sua função não era trazer novas verdades, nem ser usada como um complemento da Bíblia, mas sim instigar as pessoas a estudarem a Escritura e aplicarem a Escritura em suas vidas. No meu artigo, “Sobre o mau uso de Ellen White”, eu menciono algumas citações dela a esse respeito. Você também pode conhecer esses fatos a partir dos livros “Em busca de Identidade”, “A mensagem de 1888” e “Como ler Ellen White”, do renomado teólogo e adventista George Knight.

Aliás, aqui vai uma opinião minha: George Knight e Jacques Doukhan são hoje os maiores teólogos da Igreja Adventista. O Knight pelo rigor histórico e a capacidade de lidar com temas espinhosos com bastante tranquilidade, honestidade, transparência, simplicidade, inteligência e pitadas de humor. O Doukhan por trazer o importante contexto judaico original para o estudo das doutrinas, crenças e contextos bíblicos, de modo a fazer exegese e hermenêutica de maior qualidade. A quem quer saber mais sobre as doutrinas adventistas e sobre Bíblia, recomendo ambos fortemente como se não houvesse amanhã.

Além das citações da própria Ellen White, vale aqui colocar uma de seu marido, James White, a respeito da Bíblia:

“Todo cristão deve tomar a Bíblia como uma regra perfeita de fé e dever. Deve orar fervorosamente pelo auxílio do Espírito Santo ao pesquisar as Escrituras em busca de toda a verdade e todo o seu dever. Ele não se encontra livre para afastar-se delas para inteirar-se do seu dever por meio de qualquer dos dons. Dizemos que, no exato momento em que faz isso, coloca os dons num lugar errado, e assume uma posição extremamente perigosa. A Palavra deve estar na frente, e o olhar da igreja deve estar fixo nela, como a regra pela qual andar e o fundamento de sabedoria do qual devemos aprender nosso dever em ‘toda boa obra’” (Tiago White, Review and Herald, 21 de abril de 1851, p. 70).

Em ocasião posterior, James White também afirmou:

“Não parece ser desejo do Senhor ensinar as questões bíblicas a Seu povo por meio dos dons do Espírito [referência aos escritos de Ellen White] enquanto Seus servos não examinarem diligentemente Sua Palavra. […] Permitamos que os dons tenham seu devido lugar na igreja. Deus nunca os coloca na vanguarda nem nos ordena olhar para eles em busca de liderança na senda da verdade e no caminho para o Céu. Foi Sua Palavra que Ele engrandeceu. As Escrituras do Antigo e do Novo Testamentos são a lâmpada humana para iluminar a estrada para o reino. Sigam-na. Mas se você se extraviar da verdade bíblica e correr o risco de se perder, pode ser que Deus, no tempo que Ele achar mais conveniente, o corrija, traga-o de volta para a Bíblia e o salve” (Tiago White, Review and Herald, 25 de fevereiro de 1868).

Outro pioneiro, Uriah Smith, quando questionado sobre o uso das visões de Ellen White pela congregação no assunto do santuário, em 1874, disse:

Centenas de artigos foram escritos [pelos adventistas] sobre o assunto [do santuário]. Mas em nenhum deles são as visões [de Ellen White] citadas como tendo qualquer autoridade sobre este tema, nem são a fonte de onde possa ter-se originado qualquer ponto de vista que adotamos. Nem qualquer pregador jamais se referiu a elas sobre esta questão. Sempre recorremos à Bíblia, onde existe abundante evidência para o ponto de vista que adotamos sobre este assunto (Uriah Smith, Review and Herald, 22 de dezembro de 1874, p. 204, citado em George R. Knight, Em Busca de Identidade, p. 59).

E era verdade. Knight comenta esse texto:

“Curiosamente, Smith fez uma afirmação de que qualquer pessoa disposta a voltar à literatura adventista do sétimo dia anterior pode verificar ou  refutar. Paul Gordon (um diretor associado do White Estate) assumiu essa tarefa investigativa no inı́cio dos anos 80 e publicou suas descobertas em 1983 como O Santuário, 1844, e os Pioneiros. Suas descobertas apóiam a afirmação de Smith de que, para as primeiras décadas da denominação, os adventistas não usaram Ellen White como uma autoridade teológica em seus escritos. Isso mudaria, mas como observado acima, a transição continua sendo um tópico importante a ser totalmente investigado” [Trecho de “Ellen White’s Afterlife”, de George kinight].

Fato 3: Ellen White não era inspirada verbalmente

Nem Ellen White, nem seu marido, nem seus filhos, nem as pessoas que trabalharam mais próximos dela defendiam a ideia de que ela era inspirada verbalmente. Ela cria na inspiração conceitual. Qual a diferença entre as duas? A inspiração verbal é como uma espécie de ditado. Deus inspira cada palavra do escritor. A inspiração conceitual é mais aberta. Deus inspira a mente do escritor ou os conceitos gerais a serem abordados. O escritor, então, emprega suas próprias palavras, estilo, conhecimentos, técnicas, dados históricos, memórias, analogias, comparações, formas, estruturas, etc. para colocar a mensagem inspirada no papel.

No primeiro caso, se cada palavra é inspirada, então não é possível o autor inspirado cometer quaisquer pequenos erros de memória, de cronologia, de ordem dos eventos, de contagem, de gramática, de geografia, de literatura, de citações, etc. Ademais, se cada palavra é inspirada, o autor não tem como manifestar seu estilo. Manifestará o estilo de Deus. Afinal, é só um ditado.

No segundo caso, se apenas o escritor ou os conceitos são inspirados, não as palavras, então é possível o autor inspirado cometer pequenos erros em questões secundárias como as já citadas acima. Isso não reduz a inspiração e a veracidade da mensagem, mas apenas considera que o Espírito não transforma ninguém em semidivino. Ele apenas sopra mensagens gerais que serão escritas de maneira muito precisa apenas quanto aos detalhes primários.

Um livro simples e elucidativo que pincela um pouco sobre esse tema da inspiração é o “Crenças Populares”, do teólogo adventista Samuele Bacchiocchi. Recomendo. Mas o assunto é extenso. Eu poderia escrever vinte páginas só sobre isso, incluindo várias analogias e muitos exemplos bíblicos. E ainda seria só um breve resumo. Mas esse artigo não é sobre modelos de inspiração. É sobre fatos que precisamos conhecer antes de emitir opinião sobre Ellen White. E o fato aqui é: nem ela, nem ninguém próximo a ela cria na inspiração verbal de autores inspirados. Ela escreveu, por exemplo:

“A Bíblia é escrita por homens inspirados, mas não é o modo de pensamento e expressão de Deus. É o da humanidade. Deus, como escritor, não está representado. Os homens costumam dizer que tal expressão não é como Deus. Mas Deus não se colocou em palavras, em lógica, em retórica, em julgamento na Bíblia. Os escritores da Bíblia eram os homens de Deus, não a sua pena. Olhe para os diferentes escritores.

Não são as palavras da Bíblia que são inspiradas, mas os homens que foram inspirados. A inspiração não atua sobre as palavras ou expressões do homem, mas sobre o próprio homem que, sob a influência do Espírito Santo, está imbuído de pensamentos. Mas as palavras recebem a impressão da mente individual. A mente divina é difusa. A mente e a vontade divinas são combinadas com a mente e a vontade humanas; assim as declarações do homem são a palavra de Deus” (E G. White, Mensagens Escolhidas , livro 1, p. 21).

Em outra ocasião, ela disse:

“Se bem que seja tão dependente do Espírito do Senhor ao escrever minhas visões como ao recebê-las, todavia as palavras que emprego ao descrever o que vi são minhas mesmo, a menos que sejam as que me foram ditas por um anjo, as quais eu sempre ponho entre aspas” (RH, 8 de outubro de 1867, pág. 260).

A crença de Ellen White era a mesma adotada por uma resolução pela Associação geral em 1883. A resolução dizia:

“Cremos que a luz dada por Deus a Seus servos foi transmitida pela iluminação da mente, comunicando assim os pensamentos, e não (exceto em raros casos) as próprias palavras em que as idéias deviam ser expressas” (Ibidem, 27 de novembro de 1883, pág. 741).

Willie. C. White, um dos filhos de Ellen White (e a pessoa que mais trabalhou com ela nos últimos 25 anos de sua vida), falaria sobre essa resolução em 1928 com o teólogo adventista L. E. Froom:

“Você se refere à pequena declaração que lhe enviei sobre a inspiração verbal. Esta declaração feita pela Conferência Geral de 1883 estava em perfeita harmonia com as crenças e posições dos pioneiros nesta causa, e foi, penso eu, a  única posição assumida por qualquer um dos nossos ministros e professores até o Prof. [W. W] Prescott. O presidente do Battle Creek College apresentou de maneira muito convincente outra visão – a visão mantida e apresentada pelo professor Gausen. A aceitação dessa visão pelos alunos do Battle Creek College e muitos outros, incluindo S. N. Haskell, resultou em trazer para o nosso trabalho questões e perplexidades sem fim e sempre aumentando. A irmã White nunca aceitou a teoria de Gausen sobre a inspiração verbal, seja aplicada ao seu próprio trabalho ou aplicada à Bı́blia” (Carta de W. C. White para L. E. Froom em 1928). 

Em 1906, a própria Ellen White respondeu uma pergunta de um médico adventista, o Dr. David Paulson, que acreditava na inspiração verbal dela. O médico escrevera:

“Fui levado a concluir e a acreditar com mais firmeza”, escreveu ele, “que cada palavra que você falou em público ou em particular, que cada carta que você escreveu sob qualquer e todas as circunstâncias, era tão inspirada quanto os dez mandamentos. Eu mantive essa visão com absoluta tenacidade contra inumeráveis objeções levantadas por muitos que estavam ocupando posições proeminentes na causa” (David Paulson para E. G. White, 19 de abril de 1906).

Paulson queria saber se deveria continuar a manter essa posição. Ela respondeu: “Meu irmão, você estudou meus escritos diligentemente, e nunca descobriu que eu fiz tais afirmações. Nem você descobrirá que os pioneiros em nossa causa fizeram tais afirmações”. Prosseguiu explicando que havia elementos divinos e humanos em inspiração, e que o testemunho do Espı́rito Santo é “transmitido pela expressão imperfeita de linguagem humana” (E. G. White a David Paulson, 14 de junho de 1906).

Em resumo, o Espírito a impressionava com determinadas verdades gerais (às vezes por meio de visões, às vezes por meio de insights) e ela então procurava transmitir isso da maneira como conseguia, dentro das suas limitações de educação, de contexto e de ser uma pessoa pecadora como qualquer outra. Uma das implicações lógicas disso é que Ellen White não era infalível em seus escritos. Mas vamos falar disso mais adiante.

Fato 4: Ellen White não era autoridade em história, interpretação bíblica, etc.

Ellen White sempre protestou contra quem a usava como autoridade em história e cronologia. Ela admitia ser falível nessas questões. E a razão é bastante óbvia: uma vez que sua inspiração não era verbal, isso quer dizer que não é cada palavra que ela escrevia que era inspirada. Era sim o panorama geral, o conceito geral, não detalhes secundários.

Como Ellen White escrevia? Bom, quando o Espírito a impressionava por visão ou insights, ela se punha a pesquisar autores que falassem sobre o tema, a fim de descrever o tema com maior propriedade e preencher detalhes. Ela fazia isso por duas razões principais: (a) ela queria fornecer um bom contexto lógico, histórico, organizado e bem estruturado para o leitor; (b) ela escrevia mal (segundo sua própria opinião) e, portanto, preferia recorrer a pesquisas e até fraseados e paráfrases de outros autores.

Mas isso, obviamente, a expunha a erros. Os historiadores não são infalíveis e ela não via todos os detalhes de cada assunto que lhe era mostrado ou inspirado. Por isso ela não aceitava ser usada como autoridade. E por isso ela consentiu e até pediu, em alguns casos, para seus livros serem revisados pelos seus editores no que tange a detalhes históricos e cronologia. Um ótimo livro que reúne dados a esse respeito é o “Ellen White’s Afterlife”, de George Knight, ainda não publicado no Brasil, infelizmente.

Todos os fatos acima eram bem conhecidos daqueles que conviveram e/ou trabalharam com Ellen White. Além disso, boa parte dessas informações eram públicas e não havia nenhuma orientação dela ou de sua família para que isso fosse escondido. Pelo contrário, esses pontos sempre foram tratados de modo transparente e natural por ela, seu marido e seus filhos. Entretanto, desde quando ela era viva, havia tendências crescentes de irmãos a vendo como inspirada verbalmente, autoridade em interpretação e infalível em todas as áreas. Após a sua morte, isso só aumentaria. Knight fala sobre isso em seus livros e de maneira muito simples. Por isso os recomendo tanto.

Contra essas tendências errôneas, Willie White, lutaria a vida inteira. Em 1911, o livro O Grande Conflito foi revisado em detalhes históricos, o que levou alguns que criam na inspiração verbal, como S. N. Halkell, a protestaram contra os editores. Willie respondeu a Haskell em 1912, dizendo:

“Creio, irmão Haskell, que existe o perigo de prejudicarmos a obra de mamãe pretendendo que ela seja mais do que ela mesma pretendia, mais do que papai pretendia, mais do que os pastores Andrews, Waggoner ou Smilh pretendiam. Não consigo ver coerência em propor uma afirmação de inspiração verbal, quando mamãe não fez essa reivindicação e certamente creio que cometeremos grande erro se deixarmos de lado a pesquisa histórica e tentarmos resolver questões históricas utilizando os livros de mamãe como autoridade, quando ela mesma não deseja que eles sejam usados dessa forma” (WCW a SNH, 31 de outubro de 1912).

Ao fim dessa carta, a própria Ellen White escreveu: “Aprovo as observações feitas nesta carta. Ellen G. White”.

É interessante ler as explicações feitas por Willie White em 1911 sobre a nova edição do livro. Ele menciona, entre outras coisas:

“Quando apresentamos à mãe o pedido de alguns dos nossos colportores, que deveria ser dada na nova edição não apenas referências das escrituras, mas também referências aos historiadores citados, ela nos instruiu a procurar e inserir as referências históricas. Ela também nos instruiu a verificar as citações e corrigir quaisquer imprecisões encontradas; e onde as citações foram feitas de passagens que foram processadas diferentemente por tradutores diferentes, para usar aquela tradução que foi achada para ser mais correta e autêntica. […].

Desde a impressão desta nova edição, a mãe teve grande prazer em olhar e reler o livro. Dia após dia, como eu a visitava pela manhã, ela falava sobre isso, dizendo que gostava de lê-lo novamente, e que estava contente que o trabalho  que fizemos para tornar esta edição o mais perfeita possıv́el foi concluı́do enquanto ela vivia. e poderia direcionar o que foi feito.

A mãe nunca afirmou ser autoridade na história. As coisas que ela escreveu, são descrições de imagens de lanterna e outras representações dadas a ela sobre as ações dos homens, e a influência dessas ações sobre a obra de Deus para a salvação dos homens, com visões de passado, presente e futuro. história em relação a este trabalho. Em conexão com a redação desses pontos de vista, ela fez uso de declarações históricas boas e claras para ajudar a esclarecer ao leitor as coisas que ela está se esforçando para apresentar. […]

Minha mãe nunca reivindicou a inspiração verbal, e não acho que meu pai, ou o E’ lder Bates, Andrews, Smith ou Waggoner, tenham feito essa afirmação. Se houve inspiração verbal ao escrever seus manuscritos, por que deveria haver, por parte dela, o trabalho de adição ou adaptação? É um fato que mamãe frequentemente pega um de seus manuscritos e o examina pensativamente, fazendo acréscimos que desenvolvem ainda mais o pensamento”.

Em 1912, Willie White também escreveu uma carta ao irmão Eastman. Ele defende que os adventistas deveriam estudar mais a Bíblia e a história, utilizando-se de historiadores geralmente aceitos pela maioria das pessoas, a fim de que os argumentos adventistas fossem mais facilmente aceitos. Em seguida, enfatiza:

“Quanto aos escritos da Mãe e seu uso como autoridade em pontos da história e da cronologia, a Mãe nunca desejou que nossos irmãos os tratassem como autoridade em relação aos detalhes da história ou datas”.

Willie continua explicando que muitas das coisas que Ellen White escreveu foram vistas em visões de modo amplo, sem referência à datas ou geografia e muitas vezes em cenas fragmentadas. Diz ainda:

“Em outras ocasiões, ao escrever o que foi apresentado a ela, a mãe encontrou descrições tão perfeitas de eventos e apresentações de fatos e doutrinas escritas em nossos livros denominacionais, que ela copiou as palavras dessas autoridades. Quando O Grande Conflito foi escrito, a mãe nunca pensou que os leitores a tomariam como autoridade em datas históricas ou a usariam para resolver controvérsias a respeito de detalhes da história, e ela agora não acha que deveria ser usada dessa maneira. A mãe considera com grande respeito o trabalho daqueles fiéis historiadores que devotaram anos de tempo ao estudo do grande plano de Deus, conforme apresentado na profecia, e à realização desse plano como registrado na história.

Nos últimos anos, sempre que se descobriu uma prova definitiva de que os escritores de nossa literatura adventista estavam aquém de encontrar a prova exata dos detalhes, mamãe assumiu sua posição em favor de corrigir aquelas coisas que claramente estavam erradas. Quando ela foi consultada sobre os esforços que estavam sendo feitos para revisar e corrigir o bom livro “Daniel e Apocalipse”, ela sempre se opôs a fazer muitas mudanças, e sempre favoreceu a correção daquelas coisas que estavam claramente demonstradas como incorretas”.

Ele diz em seguida que não crê que Deus está muito preocupado com acertos em cronologia, já que havia tanta divergência entre historiadores (mesmo os cristãos). E termina afirmando que Guilherme Miller, embora tenha sido instigado por Deus a compartilhar seus estudos, e embora ele estivesse certo em muitas coisas, estava errado em outras. Não obstante, Deus fez com que esses erros fossem consertados por meio de estudos mais aprofundados de outras pessoas. Portanto, para Willie White, ninguém deveria arrogar infalibilidade, mas estar aberto aos estudos.

Fato 5: Ellen White fazia muito uso estilístico da Bíblia

Ellen White muitas vezes fazia uso estilístico de fraseados e referências bíblicas em seus escritos. Esses usos também podem ser chamados de homiléticos (embora eu não ache esse termo apropriado) ou até retóricos. Eles não possuem intenção exegética (isto é, interpretativa), mas meramente estilística mesmo.

Tal uso é legítimo, pois a inspiração é conceitual, não verbal. Assim, o escritor está livre para escolher o fraseado, a estrutura, os exemplos, analogias e referências que quiser ao descrever algo que lhe foi mostrado em panorama geral. Isso casa com o fato 4. Não se deveria reivindicar dos escritos de Ellen White precisão histórica e exegese bíblica quando seu maior interesse era mais retórico e poético, em prol de uma narrativa evangelística instigante. Ela estava interessada em instigar leitores ao estudo, não em focar pormenores e se tornar autoridade final em estudos de qualquer natureza. Robert W. Olson, um teólogo adventista que foi diretor do patrimônio de Ellen White entre 1978 e 1980, diz o seguinte sobre isso em uma entrevista concedida a David C. James:

“[…] não quero provar toda a história, por exemplo, com o que Ellen White escreveu. Seu principal objetivo, por escrito, não era apresentar fatos históricos, bı́blicos ou não. Seu principal objetivo era sempre evangelı́stico. Ela sempre foi uma ganhadora de almas. Ela sempre foi uma homilética. Ela sempre foi pastor. Ela estava sempre tentando levar as pessoas ao pé da cruz.

Então, por exemplo, em um lugar ela diz que a Torre de Babel foi construı́da antes do Dilúvio. Bem, em Patriarcas e Profetas isso é corrigido. Você encontrará esse tipo de coisa – ocasionalmente, ela é diferente consigo mesma. Temos que reconhecer a falibilidade. Está lá”.

Perguntado sobre se ele achava que Ellen White intentou, em algum momento, ser autoridade final na interpretação de algum texto bíblico ou de algum fato histórico, Olson responde:

“Eu acho que houve momentos em que ela era uma exegeta, mas esses casos são extremamente raros. Eu acho que geralmente ela era uma homilética. Ela usou a Escritura como um evangelista faria.

Por exemplo, pegue João 5:39. Ela usou esse texto de duas maneiras, seguindo diferentes traduções. Ela usou o imperativo da King James Version: “Examine as escrituras [e você terá a vida eterna]”. E ela também citou o indicativo da Versão Revisada: “Examinai as escrituras, porque pensais que nelas tendes a vida eterna [mas você saberia de Mim se você as ler direito]”.

Ela usou duas traduções diferentes do mesmo verso, e realmente elas têm idéias opostas. Agora, se ela estava disposta a fazer isso com João 5:39, então eu sei que ela não estava necessariamente tentando me dar uma exegese de um verso quando ela o citava. Em vez disso, ela estava tirando uma lição espiritual disso”.

Eu complementaria: a inspiração não estava nas palavras que White escolheu para ilustrar seu ponto, mas no ponto em si. A mente é inspirada, o conceito é inspirado, mas as palavras não. Olson recebe outra pergunta interessante a seguir: “Assim, você veria a sugestão de que os escritos de Ellen White incluem um ‘comentário inspirado sobre as Escrituras’ como verdadeiro apenas de um modo limitado, e não como uma regra geral?”. E ele responde enfaticamente: “Não podemos usar Ellen White como o árbitro final determinativo do que as Escrituras significam. Se fizermos isso, então ela é a autoridade final e a Escritura não é. As escrituras devem ter permissão para interpretar a si mesmas”. Ora, era exatamente isso que Ellen White e todos os melhores pioneiros adventistas diziam, afinal! Nenhuma novidade.

Olson também escreveu bons livros a esse respeito. Um deles foi o famoso: “Cento e Uma Perguntas sobre o Santuário e sobre Ellen White”. Sobre isso, George Knight comenta:

“Cento e uma perguntas tinha seções sobre tópicos como empréstimo literário, cópia, o uso de assistentes literários, a perfeita imagem profética, inerrância e verbalismo. Mas talvez uma das contribuições mais inesperadas tenha sido tratada por Ellen White como comentarista da Bı́blia. Olson provavelmente agitou mais de um leitor quando escreveu que “os escritos de Ellen White são geralmente de natureza homilética ou evangelı́stica e não estritamente exegéticos”. Ele então ilustrou como ela usou o mesmo verso para fazer pontos bem diferentes, acomodando as palavras para encaixá-la em suas apresentações. Olson observou na mesma seção que “dar a um indivı́duo um controle interpretativo completo sobre a Bı́blia, com efeito, elevaria essa pessoa acima da Bı́blia. Seria um erro permitir que até mesmo o apóstolo Paulo exercesse controle interpretativo sobre todos os outros escritores da Bı́blia. Nesse caso, Paulo e não toda a Bı́blia, seria a autoridade final de alguém” [Trecho de “Ellen White’s Afterlife”, de George Knight]..

Aqui Olson está se utilizando de um principio chamado “Tota Scriptura”. A ideia é que nenhuma parte da Bíblia pode ser considerada mais importante que a outra, tampouco pode ser interpretada isoladamente. A Bíblia é um todo. Portanto, todas as partes são igualmente importantes e devem ser interpretadas à luz dela toda. Isso evita que textos sejam tirados de contexto, que figuras de linguagem sejam entendidas como literais e que uma hermenêutica errônea seja cultivada. A partir desse princípio, Olson pode dizer que a Escritura deve ser, toda ela, autoridade final.

Em suma, usar White como autoridade interpretativa final é como utilizar devocionais, poesias cristãs e sermões temáticos para resolver questões doutrinárias. Isso não só é ineficaz para interpretar corretamente, como retira da Bíblia uma função que só cabe à própria Bíblia.

Fato 6: Ellen White esperava bom senso dos leitores

Esse fato de desdobra em três, na verdade: (a) Ellen White escrevia muito sobre ideais; (b) Ellen White escrevia muito para contextos específicos; (c) Ellen White utilizava, muitas vezes, linguagem forte. Se não tivermos bom senso em relação a esses fatos, acabamos por criar interpretações ridículas de seus escritos. E é exatamente o que tanto críticos como fanáticos vivem fazendo. Mas é isso o que críticos e fanáticos não costumam a fazer. Pegam uma citação isolada tanto do contexto do texto, do contexto do livro, do contexto histórico, do contexto das demais citações a respeito do tema, do contexto bíblico, do contexto da situação que motivou a escrita, do contexto dos destinatários, etc. – e fazem da citação uma regra geral, atemporal e inflexível. Podemos citar algumas de suas palavras de protesto contra tal atitude. Por exemplo, falando contra quem levava à reforma de saúde ao extremo, se utilizando dos escritos de White como base, ela diz:

“Estão chegando perguntas de irmãos e irmãs que fazem indagações a respeito da reforma pró-saúde. São feitas declarações de que alguns estão tomando a luz nos testemunhos sobre a reforma pró-saúde e tornando-a uma prova. Eles escolhem declarações feitas acerca de alguns artigos de alimentação que são apresentados como censuráveis – declarações escritas como advertência e instrução para certos indivíduos. […] Eles se demoram nessas coisas, tornando-as tão fortes quanto possível, entretecendo seus próprios e censuráveis traços de caráter nessas declarações, e as impõem com grande força, tornando-as assim uma prova e inculcando-as onde só causam dano. […]

Vemos os que escolhem as expressões mais fortes dos testemunhos e sem fazer uma exposição ou um relato das circunstâncias em que são dados os avisos e advertências, querem impô-los em todos os casos. Assim eles produzem maléficas impressões na mente das pessoas. Há sempre os que são propensos a apossar-se de alguma coisa de tal índole que possa ser usada por eles para prender as pessoas a rigorosa e severa prova, e que inserirão elementos de seu próprio caráter nas reformas. […] Empreenderão a obra fazendo injúria contra as pessoas. Escolhendo algumas coisas nos testemunhos, impõem-nas a todos, e, em vez de ganhar almas, repelem-nas. Causam divisões, quando podiam e deviam promover a harmonia. […]

Deixai, porém, que os testemunhos falem por si mesmos. Não apanhem os indivíduos as declarações mais fortes, feitas a pessoas e famílias, impondo essas coisas porque desejam usar o açoite e ter algo para impor” (Mensagens Escolhidas vol. 3, 285-287).

Sobre aqueles que se apegavam à conselhos dela de modo rígido, sem levar em conta o contexto, ela reclama:

“É assim que é, e meu espírito tem sido muito agitado quanto à idéia: ‘Ora, a irmã White disse assim e assim, e a irmã White falou isto ou aquilo; e, portanto, procederemos exatamente de acordo com isso. Deus quer que todos nós tenhamos bom senso, e deseja que raciocinemos movidos pelo senso comum. As circunstâncias alteram as condições. As circunstâncias modificam a relação das coisas.” (Mensagens Escolhidas – Volume 3, 217).

James White sintetizou bem a dificuldade de Ellen com os extremistas em um artigo na Reviw and Herald, em 1868. Ele disse:

“Aquele que vê a necessidade da reforma, e se mostra muito rigoroso em todos os casos, não se permitindo nenhuma exceção, conduzindo as coisas à mão de ferro é certo de fracassar na reforma, de ferir sua própria alma e de ofender a dos outros. Agir assim não ajuda Ellen, mas acentua a carga de sua árdua obra. […]

Ela enfrentou esta deficiência da seguinte maneira: ela direcionou fortes apelos, comoveu profundamente alguns que haviam tomado posições firmes, indo até ao extremo. Depois, para salvar a causa da ruína, provocada por estes extremos, ela foi obrigada a fazer críticas públicas aos extremistas. Foi melhor fazer isto do que ver as coisas caírem em ruína, mas a influência de um ou outro, os extremos e censura, é terrível para a causa e traz sobre Ellen uma tripla carga. Veja a dificuldade: o que ela podia dizer sobre os indiferentes era tomado pelos cheios de zelo como um apelo para ultrapassar os limites. E o que ela podia dizer para advertir aos preparados, os zelosos, e os imprudentes, era tomado pelos indiferentes como uma desculpa para ficar para trás”.

Em outro ponto, diz:

“Quando satanás tenta um bom número a ser muito lentos, ele tenta sempre os outros a se mostrarem muito rápidos. A missão de Ellen White tornou-se muito árdua, e às vezes embaraçosa, em razão da conduta dos extremistas, que pensam que a única atitude conveniente é a de levar ao extremo tudo o que ela escreva ou diga sobre as questões a propósito das quais se poderiam ter outra abordagem.

Essas pessoas se apóiam sempre em suas interpretações de uma expressão e desenvolvem idéias aventureiras que, finalmente, contradizem o que ela disse sobre o perigo dos extremos. Sugerimos a estas pessoas que se livrem das expressões fortes que ela utilizou para os hesitantes e que dêem todo peso às numerosas advertências que ela pronunciou para os extremistas. Fazendo isto, se colocarão eles mesmos em segurança e sairão do seu caminho, afim de que ela possa dirigir-se livremente aos que têm necessidade de ser chamados ao seu dever. Atualmente, eles se colocam entre ela e as pessoas, paralisam seu testemunho e são causa de divisões” (Review and Herald, 17 de março de 1868).

Naturalmente, esse é apenas um resumo da questão. Sugiro a leitura do livro “Como ler Ellen White”, de George Knight, para ter um panorama melhor dos embates entre Ellen White e os extremistas. Mais uma vez, devo dizer, Knight faz um excelente trabalho de pesquisa. Ele oferece diversos exemplos de coisas que Ellen White falou para casos específicos, de conselhos que consideravam o ideal (o que nem sempre pode ser posto em prática) e de expressões fortes – conteúdos que fanáticos e críticos adoram usar para pintar Ellen White como uma mulher inflexível.

Fato 7: Ellen White fez uso extensivo de outros autores

Ellen White fez uso extensivo de outros autores (sobretudo historiadores). Seu método de escrita se baseava muito em fichamentos. Ela pesquisava o assunto que queria e ia copiando as partes que mais lhe interessavam. Depois disso, acrescia suas notas, fazia paráfrases e, em alguns casos, usava as próprias palavras de outrem. Por conta desse método, ela chegou a receber protestos de plágio. Isso também é conhecido desde quando ela era viva. Nunca foi escondido. Na introdução de seu livro “O Desejado de todas as nações”, ela mesma diz:

“Em alguns casos em que um historiador agrupou os eventos de modo a proporcionar, em resumo, uma visão abrangente do assunto, ou resumiu detalhes de maneira conveniente, suas palavras foram citadas; mas em alguns casos nenhum crédito específico foi dado, já que as citações não são dadas com o propósito de citar aquele escritor como autoridade, mas porque sua declaração permite uma apresentação pronta e convincente do assunto. Ao narrar a experiência e os pontos de vista daqueles que levam adiante o trabalho de reforma em nosso próprio tempo, foram feitos usos semelhantes de seus trabalhos publicados. Não é tanto o objetivo deste livro apresentar novas verdades relativas às lutas de tempos passados, quanto trazer fatos e princípios que influenciam os eventos futuros” (E G. White, O Grande Conflito , p. xii).

Três pontos podem ter colaborado para que Ellen White se apegasse a essa prática de pesquisa e escrita: (a) ela realmente assumia não saber escrever bem e, por isso, fazia uso de fichamentos; (b) ela talvez não julgasse que a extensão da dependência dela em relação às obras de outrem fosse grande a ponto de ser considerada um plágio; (c) as leis de direitos autorais eram diferentes, de modo que sua prática não se configurava crime e, talvez, nem propriamente um plágio (na extensão do que se poderia chamar plágio). Até onde sei, as acusações de plágio sempre partiram de pastores adventistas que criam em White como verbalmente inspirada ou entendiam que inspiração pressupõe originalidade. Quando descobriram que ela usava outros autores em alto grau, se sentiram abalados e passaram a vê-la como plagiadora. Mas penso que o termo é exagerado para quem fez uma verdadeira miscelânea de autores.

Nesse sentido, Ellen não fez nada muito diferente do evangelista Lucas, ao se utilizar de trechos extensos de outras obras para compor seu trabalho de pesquisa feito para Teófilo. É de conhecimento geral que os evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas) são muito semelhantes, incluindo nas palavras usadas, o que indica fontes comuns e/ou interdependência. Pelos padrões modernos, pelo menos dois dos três evangelhos seriam considerados como um plágio de outra obra. Mas, obviamente, em um contexto de desenvolvimento das leis de direitos autorais e de comercialização de obras, a atitude dos evangelistas se tornaria mais questionável. Foi o caso de Ellen White.

Willie White comentou esse tema muitas vezes ao longo de sua vida, o que demonstra que a questão nunca foi escondida. Na carta à Froom, ele diz:

“Os grandes acontecimentos que ocorreram na vida de nosso Senhor foram apresentados a ela em cenas panorâmicas, como também foram as outras partes do Grande Conflito. Em algumas dessas cenas, a cronologia e a geografia foram claramente apresentadas, mas na maior parte da revelação as cenas de lanterna, que eram extremamente vıvidas, e as conversas e as controvérsias, que ela ouviu e pôde narrar, não foram marcadas geograficamente. ou cronologicamente, e ela foi deixada para estudar a Bı́blia e a história, e os escritos de homens que haviam apresentado a vida de nosso Senhor para obter a conexão cronológica e geográfica. […]

Apesar de todo o poder que Deus lhe dera para apresentar cenas nas vidas de Cristo e Seus apóstolos e Seus profetas e Seus reformadores de uma forma mais forte e mais reveladora do que outros historiadores, ela sempre sentiu mais intensamente os resultados de sua falta de escola. Educação. Ela admirava a linguagem em que outros escritores haviam apresentado a seus leitores as cenas que Deus lhe apresentara em visão, e ela achava que era tanto um prazer quanto uma conveniência e uma economia de tempo para usar sua linguagem total ou parcialmente ao apresentar aquelas coisas que ela conhecia através de revelação, e que ela desejava passar para seus leitores.

Em muitos de seus manuscritos, como eles vêm da mão, aspas são usadas. Em outros casos, eles não foram usados; e seu hábito de usar partes de frases encontradas nos escritos de outros e preencher uma parte de sua própria composição, não se baseava em nenhum plano definido nem era questionado por seus copistas e redatores até cerca de 1885 em diante.

Quando os crı́ticos apontaram essa caracterı́stica de seu trabalho como uma razão para questionar o dom que lhe permitira escrever, ela prestou pouca atenção a isso. Mais tarde, quando foi feita queixa de que isso era uma injustiça para outros editores e escritores, ela fez uma mudança decidida – uma mudança com a qual você está familiarizado” (Carta de W. C. White para L. E. Froom em 1928).

Na declaração de 1911 a respeito das alterações em O Grande Conflito, Willie também comentou:

“No corpo do livro, a melhoria mais notável é a introdução de referências históricas. Na edição antiga, mais de setecentas referências bı́blicas foram dadas, mas em poucos casos houve referências históricas às autoridades citadas ou mencionadas. Na nova edição, o leitor encontrará mais de quatrocentas referências a oitenta e oito autores e autoridades”.

O que o fato bruto reforça é que (1) Ellen White não era verbalmente inspirada; e (2) ela não era infalível como escritora, pesquisadora e ser humano. A partir daqui, cada um tire as suas conclusões. Eu tirarei as minhas no próximo artigo.

Fato 8: Todos esses fatos foram tratados na Conferência Bíblica de 1919

Em 1919 houve uma Conferência Bíblica na Associação Geral para discutir diversos pontos importantes que precisavam de tratamento à época. Dentre eles, a ponto da relação entre os escritos de Ellen White, os historiadores e a Bíblia. Muitos professores participaram das reuniões e queriam saber como lidar com certas perguntas de alunos a respeito desses temas. Além disso, os próprios participantes da reunião desejavam uma noção geral sobre como entender tais questões à luz da ortodoxia da Igreja.

O então presidente da Associação, A. G. Daniells, bem como muitos outros, defendia a posição de que Ellen White não era verbalmente inspirada, nem autoridade em todas as áreas. Eles haviam convivido com ela, criam no dom profético dado por Deus a ela, mas eram contra as distorções que vinham sendo propagadas nesse sentido. As discussões foram amplas, transparentes e a maioria detinha uma visão bastante lúcida sobre o tema, onde a Bíblia era posta em primeiro lugar e questões como a falibilidade em história e cronologia de Ellen White e seu uso extensivo de outros autores eram consideradas abertamente.

Gosto muito de alguns trechos das reuniões dos dias 30 de Julho e 01 de Agosto, que trataram especificamente desses temas. Sobretudo as falas do presidente A. G. Daniells, que foi convidado para ser o orador principal dessas ocasiões e escolheu o método de introduzir os temas e abrir para perguntas e discussão. Suas ponderações são muito interessantes. As atas das duas reuniões podem ser lidas por completo aqui. São 39 páginas A4 bastante muito elucidativas, as quais foram publicadas pela primeira vez em 1979 na revista adventista Spectrum, com prefácio de Molleurus Couperus. Faço questão de transcrever alguns trechos aqui. Tenha paciência, pois são transcrições longas:

“A. G. Daniells: Quanto ao primeiro ponto, penso assim, que devemos obter nossa interpretação a partir deste Livro [a Bíblia], primariamente. Julgo que o Livro se explica a si mesmo, e penso que devemos entender o Livro fundamentalmente mediante o Livro, sem recorrer aos Testemunhos para buscar provas.

Howell: O espírito de profecia diz que a Bíblia é sua própria intérprete.

Daniells: Sim, mas tenho ouvido pastores declarar que o espírito de profecia é o intérprete da Bíblia. Ouvi isso pregado na Associação Geral uns anos atrás, quando foi dito que a única maneira em que poderíamos compreender a Bíblia era mediante os escritos do espírito de profecia.

 Anderson: E ele também falou em “intérprete infalível”.

Sorenson: Essa expressão foi cancelada. Esta não é nossa posição. 

Daniells: Não é a nossa posição, nem é correto que o espírito de profecia seja o único intérprete seguro da Bíblia. Esta é uma falsa doutrina, uma falsa opinião. Ela não prevalecerá. Ora, meus amigos, o que teriam todas as pessoas feito desde os dias de João até o presente se não houvesse meio de entender a Bíblia, exceto pelos escritos do espírito de profecia?! É uma posição terrível a se tomar! Isso é falso, é um erro. É positivamente perigoso! O que farão as pessoas na Romênia? Temos centenas de observadores do sábado lá que nunca viram um livro do espírito de profecia. O que farão as pessoas na China? Será que só entenderão este Livro ao obtermos a interpretação mediante o espírito de profecia e daí a levarmos a eles? Isso é paganismo!

Caviness: Entende que os primeiros crentes obtiveram seu entendimento da Bíblia, ou derivou isso do espírito de profecia? 

Daniells: Dói-me ouvir o modo como alguns falam, que o espírito de profecia foi dado para oferecer toda instrução, doutrina, aos pioneiros e que eles imediatamente as aceitaram. Isso não está de acordo com os próprios escritos, os Primeiros Escritos. É-nos dito como tudo ocorreu: eles pesquisaram aquelas passagens conjuntamente e estudaram e oraram a respeito delas até obterem consenso. […] o Senhor não deu por revelação para outrem tudo o que tinha dado neste Livro. Ele concedeu este Livro, e deu aos homens cérebros e poder de raciocínio para o estudarem. Em meu trabalho de classe eu não transmitiria a idéia, de modo nenhum, aos estudantes de que não poderão entender a Bíblia senão pelos escritos da Irmã White.

Eu destacaria aos estudantes, como faço com pregadores e em reuniões ministeriais, a necessidade de obter sua compreensão da Bíblia a partir da própria Bíblia, e usar o espírito de profecia para ampliar nossa visão. Digo-lhes para não serem preguiçosos quanto ao estudo do Livro, e não caçarem primeiro algo que foi escrito sobre certo ponto que apenas engulam sem estudo. Creio que tal atitude se constituiria um hábito muito perigoso em que os ministros poderiam cair. E, devo confessar, há alguns que sairão em busca de uma declaração nos Testemunhos e sem passar qualquer tempo em profundo estudo do Livro. […] Deve-se ir ao Livro diretamente e obter, por estudo cuidadoso, o conhecimento, e então encontrar no espírito de profecia ou quaisquer outros escritos o que o ajude e lance luz e clarifique sua perspectiva do ensino […]”.

Nesse primeiro trecho, vemos o conceito de Sola Scriptura imperando. A visão de A. G. Daniells é essencialmente a mesma dos cristãos protestantes, da maioria dos pioneiros adventistas e de Ellen White. Em um segundo trecho, podemos ler:

“W. Prescott: Como deveríamos empregar os escritos do espírito de profecia como uma autoridade por meio da qual resolver questões históricas?

Daniells: Bem, agora, segundo penso, a irmã White nunca reivindicou ser autoridade em história, e nunca alegou ser uma professora dogmática de Teologia. Nunca delineou um curso de Teologia […]. Apenas ofereceu declarações fragmentadas, mas deixou aos pastores e evangelistas e pregadores o tratamento de todos esses problemas bíblicos, de Teologia e História. Ela nunca alegou ser uma autoridade em História; e segundo entendo, onde a história relacionada com a interpretação de profecia era clara e expressiva, ela a inseriu em seus escritos; mas sempre entendi que, no que lhe diz respeito, ela estava sempre pronta para corrigir em revisão declarações que julgasse carecerem de correção. Nunca fui a seus escritos para obter a história que encontro em outros escritos como declaração histórica positiva concernente ao cumprimento de profecia. […]

Somente mais um pensamento: Agora sabem algo a respeito daquele livrinho, The Life of Paul [A Vida de Paulo]. Vocês estão a par da dificuldade que tivemos com relação a ele. Jamais poderíamos reivindicar inspiração no pensamento integral e composição do livro, porque foi posto de lado, em vista de ter sido preparado descuidadamente. Créditos não foram atribuídos a autoridades apropriadas […].

Pessoalmente isso nunca abalou a minha fé, mas existem homens que ficaram grandemente afetados por causa dessa situação, e creio ser devido a terem feitos altas reivindicações quanto a esses escritos. Tal como declara o Irmão White [filho de Ellen White]: há perigo em desviar-se do Livro, e reivindicar demais. Que tenham o seu próprio peso, tal como Deus estabeleceu, e então eu penso que permaneceremos firmes sem ser abalados quando algumas dessas coisas que não podemos harmonizar com nossa teoria vierem à tona”.

Note que Daniells fala abertamente sobre o uso das fontes por Ellen White, problemas nas edições e falibilidade histórica. Ele também cita Willie White. Em suma ele sabia do que estava falando. Falava com propriedade. Daniells termina falando o óbvio: quem reivindica demais a respeito dos escritos de Ellen White, acaba se frustrando.

Em trechos posteriores, Daniells fala sobre como os escritos de Ellen White sobre reforma de saúde eram distorcidos por extremistas, algo contrário aos próprios escritos e ao senso comum. Ilustra com a experiência que teve ao aconselhar um missionário na Escandinávia, numa região de muito frio, onde quase nunca nascia frutas e vegetais. As pessoas de lá se alimentavam com peixe, mas o homem se recusava a tocar em carne, pois tinha uma ideia estrita sobre regime alimentar com base nos escritos de Ellen White sobre vegetarianismo. Com pouco dinheiro para comprar frutas e legumes importados, o homem estava ficando doente por quase não comer. Daniells conta que deu uma bronca nele e asseverou que o homem morreria se continuasse com aquele regime. Daniells conclui o relato:

“Quando retornei a este país falei com a irmã White a respeito, e ela disse: ‘Por que as pessoas não usam o bom senso? Ora, não sabem que somos governados pelos lugares onde estamos localizados?’”.

O presidente ainda faz uma crítica aos que acabavam caindo no erro de olhar a reforma da saúde e o vegetarianismo como um caminho para o céu. Em sua crítica, lembra que na Índia, onde esteve algumas vezes, há homens que nunca tocaram em carne, mas são tirânicos e brutais. E assevera:

“[…] quando tentamos alcançá-los com o evangelho, temos que dizer-lhes que esse não é o caminho de Deus, que terão de vir e crer no Senhor Jesus Cristo para terem Sua justiça imputada sobre si mediante a confissão, o perdão e tudo o mais”.

No fluxo do assunto, Daniells ressalta que Ellen White não via a questão como ponto de salvação e que ele, Daniells, chegou a dizer a ela que alguns de seus conselhos haviam sido difundidos de modo pouco apropriado. Explica:

“[Eu] Disse à irmã White que me parecia que se as condições nas regiões árticas e no coração da China e outros lugares tivessem sido levadas em consideração, algumas daquelas coisas teriam sido alteradas. ‘Ora’, ela disse, ‘sim, se as pessoas não empregarem o seu melhor juízo, então, logicamente, teremos que estabelecer-lhes isso’. Parecia-me muito sensato”.

O restante do relato é muito interessante. Daniells desfaz a caricatura de que Ellen White era inflexível:

“A irmã White nunca foi fanática, nunca era extremista, mas uma mulher equilibrada e de mente aberta. Dou esse parecer com base em 40 anos de associação com ela. Quando estávamos lá no Texas, e o velho irmão White estava quebrantado, essa mulher apanhava o mais belo novilho todo dia para comer, e minha esposa o preparava; e ele sentava-se e comia um pouco e dizia: ‘Oh, Ellen, é isso de que eu preciso!’. Ela não o repreendia para fazê-lo viver num regime de amido! Sempre a julguei equilibrada. Há algumas pessoas que são extremistas, fanáticas. Não creio que devemos permitir a essas pessoas estabelecerem a plataforma e dirigirem esta denominação. Não me proponho a fazê-lo, de minha parte. E, contudo, creio que devemos usar toda precaução e todo cuidado possível para a manutenção da boa saúde. E, irmãos, tenho tentado fazê-lo, mas não tenho vivido toda a minha vida segundo o regime mais estrito ali estipulado”.

Na sequencia, Daniells diz que era vegetariano havia 19 anos, mas que apesar disso não deixaria ninguém lhe impor o que comer em locais onde seria difícil arrumar frutas e vegetais. Ou seja, A. G. Daniells levava à sério a mensagem de saúde, mas não era um fanático.

No decorrer das atas, ainda podemos ver Daniells falando sobre como James White sabia que os escritos de Ellen White não eram verbalmente inspirados. Ele via como era o processo de escrita (com secretárias reescrevendo sentenças, capítulos sendo revisados, ele mesmo revisando frases, etc.). Mas, uma vez que muitos irmãos não sabiam disso e criam na inspiração verbal, ele procurava combater esses erros. Daniells também critica os que levaram adiante à ideia de inspiração verbal e infalibilidade. Assevera:

“Se essas falsas posições nunca tivessem tido lugar, as coisas seriam muito mais claras do que hoje. O que foi acusado como plágio teria sido tudo simplificado, e creio que homens teriam sido salvaguardados para a causa se desde o começo tivéssemos entendido essa coisa como deveria ter sido. Com esses falsos pontos de vista mantidos, enfrentamos dificuldades para endireitar tudo. Não iremos enfrentar essas dificuldades recorrendo a uma falsa alegação”.

Em outro trecho mais contundente, Daniells diz:

“Quando se toma a posição de que ela não era infalível, e que os seus escritos não eram verbalmente inspirados, não ocorre uma chance para a manifestação do humano? Se não houver, então o que vem a ser infalibilidade? E deveríamos nos surpreender quando sabemos que o instrumento era falível, e que as verdades gerais, como ela diz, foram reveladas, e então não estamos preparados para ver erros?”.

Como o leitor pode ver, as questões tratadas nessas reuniões são bastante transparentes e avançadas. Mesmo sendo de 100 anos atrás. Ademais, é uma discussão entre pessoas que conheceram Ellen White e trabalharam com ela. Assim, é imprescindível que antes de opinar sobre ela, qualquer pessoa leia as atas dessas duas reuniões. São apenas 39 páginas. Dá para ler até em um dia.

Infelizmente, no entanto, era uma época de grande tensão teológica no meio protestante como um todo. Sobretudo, nos EUA. O liberalismo teológico ameaçava as igrejas se infiltrar em todo o protestantismo. Como resultado, o protestantismo conservador foi abraçando cada vez mais forte uma visão de inspiração verbal da Bíblia (palavra por palavra) como modo de se proteger contra o relativismo, a negação de milagres e outros problemas. De igual maneira, muitos conservadores adventistas abraçaram uma visão de inspiração verbal de Ellen White. Assim, admitir que Ellen White poderia ter cometido erros em detalhes históricos e científicos, bem como não ter sido precisa no uso de passagens bíblicas para ilustrar textos, era difícil para muitos. Era como aceitar o liberalismo e, por conseguinte, abrir margem para relativizar tanto os escritos dela quanto os da Bíblia. Isso fazia da posição daqueles homens algo delicado para a época.

Ademais, a Conferência tratou de outros temas espinhosos diversos com potencial para causar conflitos na Igreja. Resultado: Daniells achou por bem não publicar as atas da reunião. Elas foram postas em um cofre, esquecidas e só viriam a ser redescobertas na década de 1970. A geração de Daniells logo foi substituída por uma geração de líderes e teólogos que não conheceram Ellen White de perto e que se apegavam à inspiração verbal ensinada pela maioria dos protestantes conservadores. Assim, do início dos anos 20 até o fim dos anos 60, uma visão distorcida do ministério de Ellen White dominaria os meios adventistas. Nessas quase cinco décadas, Ellen White seria vista cada vez mais como verbalmente inspirada, infalível e intérprete oficial da Bíblia.

As atas da Conferência de 1919 terem sido guardadas por décadas foi algo terrível não só para a IASD desse período, mas para nós hoje. Sentimos ainda os reflexos desse conhecimento não ter sido divulgado. O povo comum foi doutrinado com má teologia durante meio século. Para consertar isso agora gastamos grande energia.

Fato 9: A liderança da IASD começou a acordar nas décadas de 70 e 80

Embora os fatos da inspiração conceitual e da dependência de outros autores fossem conhecidos desde quando Ellen White era viva, foi a partir da década de 1970 que estudos aprofundados começaram a ser feitos a esse respeito na IASD. Knight nos conta sobre alguns artigos importantes entre 70 e 80 que abriram as portas para novas abordagens:

– William S. Peterson, “Um estudo textual e histórico do relato de Ellen G. White sobre a Revolução Francesa” , Spectrum , outono de 1970, pp. 57–68;

– Donald R. McAdams, “Ellen G. White e os historiadores protestantes: um estudo do tratamento de John Huss em O Grande Conflito, capítulo6, ‘Huss e Jerome’”, divulgado por McAdams a alguns teólogos e líderes da Igreja em outubro 1977 (disponível em https: //media1.whiteestate.org/legacy/issues/EGWPH77.pdf .);

– Eric Anderson, “Ellen White e os Historiadores da Reforma,” Spectrum, julho de 1978, 24; E. G. White, O Grande Conflito (Mountain View, CA: Pacific Press ® , 1911), xii.

– Benjamin McArthur, “Onde os Historiadores estão Tomando a Igreja?” Spectrum, novembro de 1979.

– Donald R. McAdams, “Mudanças de visões de inspiração: Estudos de Ellen G. White nos anos 1970” , Spectrum , março de 1980, pp. 27–41;

– Neal C. Wilson, “Isto Eu Acredito Sobre Ellen G. White”, Adventist Review , 20 de março de 1980.

– Neal C. Wilson, “Os escritos de Ellen G. White e a Igreja”, Adventist Review , 9 de julho de 1981.

Também foram importantes, nesse sentido, as obras de dois homens que se tornaram ardorosos críticos de Ellen White: Ronald Numbers, um neto de ex-presidente da Associação Geral, e Walter Rea, um pastor adventista. O primeiro escreveu “Prophetess of Health, em 1976, mostrando que muitas ideias de White sobre saúde provinham de autores de sua época e que algumas estavam erradas; e o segundo, “The White Lie”, em 1982, também mostrando a dependência de White em relação a outros autores.

Antes de lançar seu livro, Rea já havia exposto seus estudos para os líderes da IASD, o que levou o então presidente da Associação Geral, Neal Wilson, a convocar um comitê de teólogos para se reunir com Rea e analisar suas provas. O comitê se reuniu com Rea em janeiro de 1980 e concluiu, entre outras coisas, que Ellen White usou fontes “mais extensivamente do que acreditávamos anteriormente” e que a IASD deveria fazer uma investigação adicional sobre o tema para entender até que ponto White dependia de material de outros e em que ela era independente. Como resultado, o teólogo adventista Fred Veltman foi designado para montar uma equipe de pesquisadores, a fim de estudar o uso das fontes no livro “O Desejado de todas as nações”. Essa extensa pesquisa duraria oito anos e ficaria conhecida como Relatório de Veltman.

O trabalho feito por Veltman seguiu a seguinte metodologia: dos 87 capítulos de “O Desejado de todas as nações”, 15 foram escolhidos para análise (por questão de tempo e número de pessoal, não seria possível analisar os 87 capítulos). Esses capítulos foram comparados com 500 obras sobre a vida de Jesus que circulavam à época que Ellen White escreveu o livro. Estabeleceu-se sete graus de semelhanças baseados em frases e então se contabilizou tais semelhanças. O relatório concluiu que cerca de 31% das frases continha semelhanças em algum grau com frases dos livros de outros autores.

Fred Veltman escreveu alguns artigos, posteriormente, resumindo a metodologia e as conclusões do estudo. Em um dos artigos, ele escreveu:

“Ela [Ellen White] não se aproximou do texto bı́blico como um exegeta erudito. Em vez disso, ela abordou isso de um ponto de vista prático, tomando o significado óbvio, quase literal. […]

Outra caracterı́stica distinta de seu trabalho é enfatizar o que chamei de “realidades espirituais”. Ela diferia de suas fontes na ênfase que dava às descrições das atividades ou pontos de vista de Deus e Seus anjos e de Satanás e seus anjos. Ela parece estar muito mais informada e em casa do que suas fontes ao discutir o “outro mundo”, o mundo real, embora invisıv́el, dos seres espirituais do universo. […]

A ‘assinatura’ de Ellen White também pode ser encontrada na proporção de comentários dados a apelos ou lições devocionais, morais ou cristãs que geralmente aparecem no final de um capı́tulo. Esse recurso naturalmente se encaixaria no propósito evangelı́stico que motivou sua escrita sobre a vida de Cristo. Está entre os seus comentários devocionais; é ao longo de sua apresentação do que chamei de ‘realidades espirituais’ é mais provável que encontremos sua mão independente no trabalho.

A independência de Ellen White também deve ser vista em sua seletividade. As fontes eram seus escravos, nunca seu mestre. Estudos futuros fariam bem em comparar seu texto com o das fontes e observar como ela selecionou, condensou, parafraseou e, em geral, reorganizou grande parte do material que usou”.

Olson faz ponderações interessantes sobre o relatório na entrevista que já mencionamos em outro tópico. Ele fala, por exemplo, sobre a relação entre inspiração e originalidade:

“Inspiração não requer originalidade. Leia Lucas 1: 1–4. Lucas não disse que nada no seu Evangelho era original. Ele disse que escreveu para que Teófilo pudesse saber o que era a verdade, em que acreditar. Não era novo, mas era verdade. Agora sabemos que a mesma coisa pode ser dita dos escritos de Ellen White. Sua pergunta foi como isso afetaria nossa interpretação de seus escritos. Bem, não diferentemente do que afeta nossa interpretação do Evangelho de Lucas. Que ela usou fontes não significa que ela foi menos inspirada do que se não tivesse; nós simplesmente sabemos que ela tinha ajuda – e ela sempre procurava ajuda para expressar as coisas”.

Em outro trecho da entrevista, Olson pontua:

“Você perguntou sobre mudanças na cronologia – diferenças na cronologia da vida de Cristo como apresentadas nos textos pré-Desejados de Todas as Nações [rascunhos do livro feitos por Ellen White] e do Desejado de Todas as Nações [o livro como editado no final] devido à influência das fontes. Nós sabemos exatamente porque ela usou a cronologia que ela fez, porque Marian Davis [uma das secretárias e editoras de Ellen White] nos conta. Marian diz: ‘Na ordem dos capı́tulos seguimos a harmonia de Samuel Andrews como dada em sua vida de Cristo’. É por isso que foram feitas quaisquer mudanças. Nenhuma inspiração conectada com tais mudanças. Eu deveria dizer, nenhuma diretriz divina do Senhor dizendo a ela ‘Esta é a cronologia’.

Quando ensinei Life and Teachings na Pacific Union College, usei ‘O Desejado de Todas as Nações’ para estabelecer a seqüência, o modo como tudo aconteceu. Eu não faria isso hoje. Agora eu sei que eles estavam seguindo Samuel Andrews. O Desejado de Todas as Nações não pode conter uma cronologia perfeita. Eu não acho que o Senhor está tão preocupado em dar um para nós. Se Ele tivesse sido, Lucas 4 e Mateus 4 não difeririam nas três tentações no deserto”.

O que Olson diz nessa entrevista, faz eco ao que A. G. Daniells diz na Conferência Bíblica de 1919. Falando sobre o que ele chamava de “a manifestação do humano” nos escritos de Ellen White, Daniells conta sobre quando conversou com ela a respeito de um livro que estava cheio de citações de outros autores sem aspas:

“A pobre irmã disse: ‘Ora, eu não sabia sobre citações e créditos. Minha secretária deveria ter cuidado disso, e a editora deveria ter cuidado disso’. Ela não alegou que tudo isso foi revelado a ela e escrito palavra por palavra sob a inspiração do Senhor. Ali vi a manifestação do humano nesses escritos. É claro que eu poderia ter dito isso, e eu disse que desejava que um curso diferente tivesse sido feito na compilação dos livros. Se o cuidado adequado tivesse sido exercido, isso teria poupado muita gente de ser jogada fora da pista”.

Centenas (talvez até milhares) de outros materiais foram publicados dos anos 80 até hoje sobre a questão. Não se trata, portanto, de nada escondido. Agora, é importante ressaltar que boa parte dessas publicações saem em língua inglesa. Poucas chegam ao Brasil e as que chegam, demoram às vezes uma, duas, três ou até quatro décadas para chegar (como foi o caso do Comentário Bíblico Adventista). Isso explica, em parte, porque os fatos abordados nesse artigo, embora básicos, são desconhecidos de muitos adventistas brasileiros.

Fato 10: Há imprecisões nos escritos de Ellen White sobre saúde

Segundo uma pesquisa do médico adventista Don S. McMahon, apenas 66% das alegações médicas de Ellen White seriam consideradas precisas hoje. Knight comenta que em sua obra “Adquirido ou Inspirado: Explorando as origens do estilo de vida adventista” (2005), McMahon “dividiu os conselhos de Ellen White sobre saúde naquilo que ele chamou de ‘o que é’ e ‘por quê’. Ele a achou incrivelmente precisa no conselho especı́fico que ela deu, mas comparável apenas a seus contemporâneos nas razões desse conselho” (Trecho de “Ellen White’s Afterlife”, de George Knight). Nas palavras de Olson, em sua entrevista:

“Acreditamos que o conselho dela é sempre bom de seguir. Eu nunca encontrei um exemplo em que você sofreria de qualquer maneira seguindo seu conselho. Eu sempre achei conselhos que beneficiam. Agora, o raciocı́nio que ela dá para o conselho pode nem sempre ser absolutamente correto e preciso. Mas não podemos encontrar falhas no próprio conselho”.

Ou seja, assim como no caso dos historiadores, Ellen White se baseou em pesquisas e autoridades cientificas da época para preencher detalhes, se expressar melhor e dar maior peso às suas palavras. E cientistas erram. Isso, no entanto, não abala a questão da inspiração. A razão é simples: a inspiração ou revelação geral nem sempre contempla detalhes. Eu posso, por exemplo, ser impressionado pelo Espírito no sentido de que fumar faz mal e o cristão deve evitar isso para não destruir seu corpo. Porém, ao descrever isso, eu posso usar pesquisas e opiniões que contém alguns erros. Em suma, a conclusão é certa e o insight foi divino. Mas há erros em alguns detalhes do assunto. A isso, Ellen White provavelmente responderia que seus escritos não devem ser usados como autoridade científica.

Fato 11: Aplicações bíblicas e detalhes marginais não são doutrina nova

Críticos costumam a compilar trechos dos escritos de Ellen White onde ele fala coisas que “não estão na Bíblia”. Seria uma prova de que ela não seguia a Sola Scriptura, nem a Igreja Adventista o faz, já que crê nos seus escritos como inspirados. Mas esta alegação ignora um fato bruto: aplicações bíblicas e detalhes marginais não constituem nova doutrina. Por exemplo, Ellen White falou sobre os malefícios do álcool, do fumo, do açúcar, do café e do chá. Também falou dos malefícios dos alimentos cárneos dos últimos tempos, por conta do modo como a indústria agropecuária passaria a criar os animais e processar as carnes. Por essa mesma razão (os crescentes abusos da indústria alimentícia), leite, manteiga e ovos também se tornariam alimentos pouco apropriados à saúde. Assim, a recomendação dela era não comer (ou reduzir) esses alimentos. Isso é uma nova doutrina? Não. É apenas aplicação de princípios gerais bíblicos.

A Bíblia nos diz que fomos criados por Deus (Gn 1:26-27); que fomos comprados por Cristo (I Co 6:20); que somos templo do Espírito Santo e não somos de nós mesmos (I Co 3:16, 6:19; II Co 6:16); que Deus destruirá quem destruir o corpo (I Co 3:16-17); que devemos ser achados íntegros também em nosso corpo (I Ts 5:23); que devemos cuidar bem daquilo que Deus nos deu para administrar (Mateus 25:14-30 e Lucas 19:12-27); que não devemos matar (Ex 20:13); que os vícios alimentícios devem ser evitados (Rm 13:13; Lc 21:34; Gl 5:21; I Pd 4:3; Is 5:11; Pv 23:31-32 e 31:4-5); que a dieta original era vegetariana (Gn 1:29-30, 2:4-9, 9:3-4); que Deus considerou alguns animais impróprios para consumo quando liberou as carnes (Gn 7:2-9 e 8:20; Lv 11; Dt 14); que Daniel e seus amigos alcançaram boa saúde fazendo uso da dieta original (Dn 1), etc. À vista de tudo isso, podemos dizer que é um principio geral da Bíblia o cuidado com nosso corpo, pois o corpo é de Deus e Ele nos deu para administrarmos bem, não para destruir.

Ora, quando aplicamos esse principio à nossa realidade atual, isso obviamente norteará o uso de alguns alimentos, bem como algumas práticas que não existiam na época em que os escritores bíblicos viveram. É a partir da aplicação do principio geral bíblico, por exemplo, que concluímos não ser vontade de Deus que façamos uso de maconha, cocaína, etc. Da mesma forma, pela aplicação bíblica, podemos concluir que se existem alimentos que estragam nossa saúde, devemos nos esforçar para evitá-los ou, pelo menos, reduzi-los bastante. Assim, não há qualquer doutrina nova nas recomendações de Ellen White quanto à alimentação. Ela apenas aplicou um principio geral bíblico ao conhecimento contemporâneo.

Pode-se discutir se as palavras dela foram duras demais, se ela utilizou as melhores expressões, se ela exagerou em alguns pontos, se a IASD está errada em martelar muito determinadas questões, se a abordagem dela e da IASD é a melhor. Mas nada disso muda o fato bruto: não há novas doutrinas aqui. E o conteúdo básico, a essência do que foi dito – isto é, “se faz mal, deve ser evitado” – não pode ser considerado antibíblico. O conteúdo não pode ser confundido com a forma. São duas discussões distintas.

Em relação ao que chamo de “detalhes marginais”, Ellen White teve muitas visões em que observou cenas da história. Ela viu cenas com Adão, Enoque, Noé, Abraão, Jesus, os discípulos, os reformadores, etc. Na maior parte delas, o que foi visto foi apenas o que já está relatado em documentos da história secular e na Bíblia. Em outros casos, ela viu detalhes que não foram registrados em nenhum lugar. Eu os chamo de “detalhes marginais”, pois não alteram as doutrinas bíblicas, não formam doutrinas novas e não chegam a contradizer as Escrituras. Tais detalhes, portanto, estão no mesmo patamar de novas descobertas arqueológicas, históricas ou científicas. Não passam de informações que em nada modificam nossa relação com as Escrituras.

É preciso destacar ainda que nem sempre a descrição da visão é a melhor descrição possível. Aqui, mais uma vez, existe a diferença entre o conteúdo e a forma. Ellen White, por exemplo, disse ter visto Satanás e o descreveu como tendo testa larga, o que, em sua concepção, indicava inteligência. Ora, a visão não precisa se confundir com a forma de descrição. O fato bruto é: ela viu Satanás e ele tinha testa larga. A relação entre a testa larga e a inteligência pode ser apenas o registro de sua impressão pessoal, de um sentimento ou inferência que passou pela sua cabeça. Talvez fosse a impressão dos anjos que o viam e ela não soube explicar direito.

Há ainda a possibilidade de a visão ter sido, em parte, simbólica. O propósito talvez fosse gerar determinadas impressões em Ellen White (a testa larga pode ter sido um símbolo destinado a mostrar a ela que Satanás era inteligente). Na Bíblia, a maioria das visões foi dada por meio de símbolos, e aproximações da realidade, não por meio de cenários absolutamente reais. E não existe ninguém sóbrio, até onde sei, crendo que João realmente falava de dragões e bestas no Apocalipse, e que Daniel falava de chifres, leões alados, bodes, ursos e leopardos.

Meu propósito aqui não é propor reinterpretações das visões de Ellen White (como eu disse no início do texto, eu nem gosto aprecio muito escrever sobre isso). Meu intuito é apenas demonstrar que (1) os escritos de Ellen White não instituem doutrina nova, nem mesmo quando abordam novas informações (os “detalhes marginais”); e (2) a análise do que Ellen White escreveu pode ser mais complexa do que supõe a superficialidade de críticos e fanáticos.

Fato 12: A IASD não é tão linear quanto muitos pensam

A Crença Fundamental 18 da IASD diz que a instituição crê no continuísmo em relação aos dons do Espírito, incluindo o dom de profecia. Em seguida, afirma entender que Ellen White manifestou esse dom durante sua vida e deixou escritos inspirados para exortação, os quais não servem nem de acréscimo, nem de substituição da Bíblia, única regra de fé e prática. Muitos leem isso e entendem: “Ah, então para ser adventista é preciso crer que Ellen White é infalível”. E supõem a partir daí que todos os adventistas do mundo creem assim. Pois aqui vai o fato bruto: nem a crença 18 afirma isso, nem os adventistas possuem um posicionamento linear sobre esse ponto (e muitos outros!).

Há quem creia na inspiração verbal e na infalibilidade absoluta. Há quem creia inspiração conceitual e em algum grau de falibilidade. Esses graus também não são unanimidade. Alguns são mais liberais, outros mais conservadores. E todos esses, no entanto, ainda estão dentro do espectro da crença 18. Simplesmente não há uma posição fechada no sentido de fazer de quem discorda um “não adventista”.

Na verdade, a não linearidade da IASD ultrapassa até as posições oficiais tomadas pela Associação Geral em alguns casos. A Associação Geral, por exemplo, decidiu que a IASD não ordena mulheres ao pastorado. Mas em muitas IASDs do mundo, mulheres são ordenadas pastoras. Quanto à Ellen White, há IASDs na Europa em que ela não é aceita como inspirada. Knight afirma sobre isso: “Há uma constante na igreja: os adventistas sempre se dividiram no trabalho de Ellen White e na natureza de sua inspiração” (Trecho de “Ellen White’s Afterlife”, de George Knight).

Alguns podem achar isso ruim, uma confusão. Mas eu vejo um lado muito positivo nisso tudo. A IASD sempre foi, desde sua gênese, uma igreja capaz de consertar seus erros doutrinários e apurar suas crenças. E sempre fez isso a partir de estudos. Não sem tensão e dificuldades, mas sempre progredindo. E apesar das controvérsias, não houve até hoje nenhuma grande cisão. Um grupo dissidente ali, outro acolá, alguns hereges, alguns apóstatas barulhentos, mas nada que fragmentasse a igreja como um todo. Ou seja, apesar dos pesares, temos nos mostrado capazes de lidar com a falibilidade do ser humano dentro do contexto cristão.

Isso não é exceção na história cristã. Nunca houve, durante os séculos, igreja que fosse totalmente isenta de erros doutrinários, dissensões e fanatismo. Nem mesmo a Igreja primitiva. Claro que ela estava muito mais próxima da verdade. Mas até onde sabemos, os apóstolos não desenvolveram toda a teologia cristã em dez minutos. Tampouco eles saíram para pregar já com um extenso tratado de teologia sistemático escrito e um credo completo registrado em papel timbrado e assinado pelos doze.

A teologia foi sendo estruturada, montada, desenvolvida e discutida. Houve Concílio para resolver a questão da circuncisão. Houve apóstolo deixando de lado velhas interpretações errôneas. Houve muita briga nas igrejas locais. Houve muito conteúdo sendo escrito pela primeira vez para orientar a igreja doutrinariamente. Houve muito herege, dos mais diversos tipos, surgindo nas igrejas. Hoje tudo parece fácil. Temos tratados, comentários, credos, confissões, livros sobre a história da Igreja, tradições. Temos amplas bibliotecas e internet. No primeiro século havia apenas um grande terreno teológico para capinar pela primeira vez. Então, não, a Igreja não era perfeita. E isso não mudaria nos séculos posteriores. Pelo contrário.

É por isso que Ellen White afirmou tantas vezes em sua vida que a verdade precisava ser investigada e que nós precisamos estudar. Pois é quando penso nisso que mais me alegro de fazer parte da IASD. Não é uma Igreja perfeita. É uma Igreja que estuda. Se ela não é linear e estuda, então vejo que sempre há chances de ela se consertar e se aprimorar. A verdade e a perfeição são progressivas.

Fato 13: Crer em Ellen White não é um fim em si mesmo, mas um meio para estimular um fim: crer na (e praticar a) Bíblia

Note o que eu disse: crer em Ellen White não é um fim. Eu não disse que não é importante crer em Ellen White. Concentremo-nos no fato. A própria Ellen White afirmou sobre isso o seguinte:

“Na última visão que me foi dada em Battle Creek, vi que uma atitude insensata estava tendo lugar em _____, com respeito às visões, quando por ocasião da organização da igreja ali. Havia alguns em _____ que eram filhos de Deus, mas duvidavam das visões. Outros havia que não lhes faziam nenhuma oposição, contudo não ousavam assumir atitude definida a seu respeito. Alguns eram céticos e tinham suficientes motivos para isso. As falsas visões e práticas fanáticas, bem como as conseqüências desastrosas que delas decorreram, exerceram sobre a causa em Wisconsin uma influência capaz de tornar as pessoas desconfiadas de tudo que se apresentasse com o nome de visões. Todas essas coisas devem ser tomadas em consideração, procedendo-se com sabedoria. Não se deve atribular nem forçar os que nunca tenham visto um indivíduo receber visões, e não possuem um conhecimento pessoal da sua influência. Essas pessoas não devem ser separadas dos benefícios e privilégios de membros da igreja, se no demais a sua vida cristã se prova correta, e tenham um bom caráter cristão.

Alguns, conforme me foi mostrado, receberiam as visões publicadas, julgando a árvore pelos seus frutos. Outros são como o duvidoso Tomé; não podem crer nos Testemunhos publicados, nem convencer-se deles pelo testemunho de outros, precisando ver e tirar a prova por si mesmos. Estes não devem por isso ser postos de lado, cumprindo tratá-los com paciência e amor fraternal até que tomem posição e tenham opinião definida contra ou a favor deles. […].

O irmão G […] se propôs a não receber na igreja ninguém que não cresse na mensagem do terceiro anjo e nas visões. Essa medida afastou preciosas pessoas que não estavam contra as visões. Elas não ousavam unir-se à igreja, temendo comprometer-se com o que não compreendiam nem criam plenamente. E houve os que se aproximaram prontos a prejudicar essas pessoas conscienciosas, pondo diante delas os assuntos sob o pior aspecto possível. Alguns se sentiram magoados e ofendidos por causa da condição de membros, e desde a organização, seus sentimentos de insatisfação aumentaram muito. Fortes preconceitos os controlavam” (Testemunhos para a Igreja, Volume 1, p. 328-329).

No mesmo volume, em outro capítulo, podemos ler:

“Revelou-se-me que alguns, especialmente em Iowa, fazem das visões uma regra pela qual medem tudo, e adotam uma postura que meu marido e eu nunca adotamos. Alguns não estão familiarizados comigo e meus trabalhos, e são céticos sobre qualquer coisa que tenha o nome de visão. Tudo isso é natural e pode ser superado apenas pela experiência. Se as pessoas não estiverem bem estabelecidas com relação às visões, não devem ser pressionadas. A atitude a ser tomada com relação a elas está delineada no oitavo volume dos Testemunhos, p. 328, 329; espero que todos leiam o que ali se acha registrado. Os pastores devem ter compaixão de “alguns que estão duvidosos; e salvai alguns, arrebatando-os do fogo”. Judas 22, 23. Os pastores devem ter sabedoria para dar a cada um o seu alimento e saber diferenciar entre as pessoas, conforme seu caso requeira.

Em Iowa, a conduta de alguns que não estão familiarizados comigo, não foi cuidadosa e consistente. Os que não estavam habituados às visões têm sido tratados do mesmo modo que os que tiveram muita luz e experiências com respeito a elas. De alguns foi requerido que apoiassem as visões, quando não poderiam fazê-lo de sã consciência; assim, muitas pessoas sinceras foram levadas a assumir posicionamento contrário às visões e à congregação, o que nunca teria acontecido se a questão houvesse sido tratada com discrição e misericórdia” (Testemunhos para a Igreja, Volume 1, p. 383).

Outro texto interessante é o que Ellen White fala sobre a razão dos dos seus escritos:

“Se o povo que professa agora ser o povo particular de Deus obedecesse às Suas exigências, tais como foram anunciadas em Sua Palavra, os testemunhos particulares não lhes seriam necessários para lhes despertar para seus deveres, lhes fazer tomar consciência de seu estado de pecado e do terrível perigo que representa sua negligência em obedecer a Palavra de Deus. As consciências têm estado aborrecidas porque a luz foi colocada de lado, negligenciada e desprezada“ (Testemunho para a Igreja vol. 5 pág. 667).

Em resumo, Ellen White acreditava que: (1) Não devemos tratar quem não crê nela como um mal cristão e um mal adventista (ou mesmo um não adventista). Essas pessoas não devem ser separadas dos privilégios e benefícios de membros se no restante estão sendo bíblicas. (2) O objetivo dos escritos dela é levar as pessoas à Bíblia. Ela é um meio, não um fim. Logo, mesmo que alguém tenha dificuldade de crer nela, se a pessoa está sendo bíblica em toda a sua vida, então o objetivo básico está cumprido. Farei mais considerações sobre isso no próximo texto.

Fato 14: Um extremo muitas vezes leva à outro

Esse é um fato bastante interessante e instrutivo. Boa parte dos críticos mais ardorosos de Ellen White e da IASD foram, no passado, adventistas fanáticos pela profetisa e pela instituição. Knight fala com mais propriedade do que eu a respeito:

“Antes de seguir em frente, é significativo notar que os principais crı́ticos de Ellen White ao longo do tempo tenderam a seguir um padrão – a saber, eles começaram suas jornadas abraçando completamente o maravilhoso mundo de sua inerrância, dependência exclusiva da revelação em seus escritos, e “perfeito”, entre outras perspectivas. Mas quando eles acharam que seus pontos de vista estavam ameaçados, eles reagiram (talvez “exageraram na reação” seja uma melhor descrição) e rejeitaram tanto ela quanto seus escritos com entusiasmo. Isso foi o caso de D. M. Canright no final da década de 1880, A. Jones e A. F. Ballenger no inı́cio do século XX, Numbers e Rea nos anos 70, e Dale Ratzlaff nos anos 80.

Um colega de faculdade de Numbers, por exemplo, relata que nos anos mais jovens de Numbers, ele viu Ellen White como a palavra final. E Rea relata que ele não somente aprendeu a digitar copiando Mensagens para Jovens, mas também que gastou muito tempo coletando citações de Ellen White com “a ideia de preparar um comentário  adventista compilando” todas as suas “declarações referentes a cada livro da Bíblia, cada doutrina e cada personagem da Bı́blia”. E então ele concluiu que haviam sido plagiados. Sua fé em Ellen White e seus escritos foram destruı́dos. Para ele, o mundo maravilhoso estava nas rochas.

Um possível fator explicativo por trás do padrão bastante consistente daqueles que viajaram de um extremo ao outro em relação aos escritos de Ellen White é que seu relacionamento com ela não era meramente intelectual, mas também emocional. Como resultado, pode-se supor que uma sensação de traição ajudou a energizar seu protesto e a manteve viva.

Há uma lição importante aqui – a saber, que reclamar demais para Ellen White e seus escritos acaba levando ao desastre. W. C. White viu esse ponto claramente em 1911 ao conhecer as idéias exageradas de S. N. Haskell” (Trecho de “Ellen White’s Afterlife”, de George Knight).

Esse fato deve estar na mente sobretudo dos fanáticos. Alguns deles podem achar que o objetivo de tal texto é lutar contra Ellen White e a IASD. Mas essa é justamente a postura de fanáticos quando se frustram por White não ser do jeitinho que eles queriam. Não é o meu caso. Eu estou ciente de qual a posição de Ellen White. Só se frustra quem reinvidica dela mais do que ela foi. E o meu apego pela Bíblia como padrão supremo e pela lógica não me permitem superestimar a Sra. White. Os fanáticos, no entanto, correm maior risco de um dia passarem para o lado dos críticos.

Desfecho desse primeiro texto

Eu fecho os fatos aqui, enfatizando que tanto o fanatismo, quanto o criticismo desonesto devem ser combatidos. Eles não estão baseados na verdade, nem representam a verdadeira ortodoxia adventista. Por essa razão, exponho os fatos. A melhor forma de combater mentiras é expondo verdades, não falando mais mentiras.

No próximo texto, como prometido, pontuarei algumas conclusões a respeito desses fatos. E responderei questões relevantes como: para quê serve a inspiração e a revelação divina? Qual foi, afinal, a importância de Ellen White? Como não cair nas armadilhas do relativismo e do liberalismo teológico quanhdo se crê na inspiração conceitual? O que tanto críticos desonestos quanto fanáticos por Ellen White devem aprender? Por que os extremos atrapalham tanto a missão? Por que devemos sempre ser bíblicos? Por que existem fanáticos na IASD? Como lidar com isso? Como e por que entrar numa igreja com esse tipo de problema? O que é ser um adventista do sétimo dia?