Por Davi Caldas

No primeiro texto da série aprendemos sobre o argumento cosmológico, também conhecido como argumento da primeira causa. No post de hoje, vamos oferecer algumas respostas às tentativas de refutação ao argumento. Quem não leu o primeiro texto, clique aqui e confira antes de prosseguir. Quem já leu, prossigamos.

Tentativa de Refutação 1: Teoria do Nada
Para tentar refutar o argumento cosmológico, algumas teorias foram sendo propostas ao longo do tempo. Uma delas foi a de que o Universo teria surgido do nada e o nada não necessita de causa, pois é nada. Alguns adeptos dessa teoria ainda salientam que no nada não existem leis naturais, nem lógica, o que possibilita qualquer acontecimento, inclusive o surgimento espontâneo de todo o universo.

O argumento é aparentemente convincente, porém está completamente errado. O problema advém de uma confusão filosófica. Os adeptos da teoria do nada tratam o nada como uma entidade, um estado físico, um algo (alguns chegam a dizer que “nada” e “vácuo quântico” são a mesma coisa), quando na realidade o nada é simplesmente a ausência de todas as coisas; o não-ser absoluto. O nada é a falta da lógica e também a falta da ilogicidade.

Qualquer coisa que se postule acontecer no nada é contrária à própria definição correta de nada; pois o nada não é algo. O nada não tem capacidade de gerar ou agregar. O nada sequer tem capacidades. No nada não há acontecimentos. O nada é simplesmente nada, e nada mais. Portanto, o nada não pode causar algo.

Tentativa de Refutação 2: Teoria do nada + Teoria dos eventos sem causa
Mas argumentos lógicos não convencem cientificistas e empiristas radicais. Eles desdenham da filosofia e da lógica, buscando nos métodos de suas ciências específicas as respostas para todas as ciências. É o caso de outra classe de pessoas, que acredita veementemente que a física prova que coisas podem surgir sem causa, o que refuta a primeira premissa do argumento cosmológico e abre possibilidade para a existência do nada. Os exemplos aos quais recorrem são: o decaimento dos núcleos radioativos de um átomo e a emissão de fótons (partículas de luz), ambos estudados pela física subatômica. Segundo os físicos, estes eventos não apresentam causas visíveis, refutando a lei da causalidade. Em outras palavras, o universo poderia ter surgido do nada e sem nenhuma causa ou explicação.

Porém, o argumento é infantil e facilmente refutável. O primeiro ponto a ser esclarecido é que as partículas subatômicas não surgem do nada (no sentido real da palavra). Elas surgem dentro de um átomo, que por sua vez vai existir dentro de um universo. E se todas estas coisas existem e se originam dentro do universo, obviamente não surgem, nem passam a existir a partir do nada, pois estão dentro de algo.

Com relação à causa, o que existe na física subatômica é a impossibilidade de determinar ou predizer a velocidade e a posição das partículas em determinado momento. Isso pode ser chamado de princípio do indeterminismo ou princípio da incerteza de Heisenberg, o que nem de longe indica que tais eventos não apresentam uma causa. Até porque, quando uma partícula é estimulada para ocorrer um decaimento de núcleo, o mesmo ocorre porque ela foi estimulada, o que envolve um estado específico do átomo, da partícula e de tudo o que se relaciona com o evento; para que o decaimento ocorra. Então, ainda que não se possa determinar a causa específica, a causa geral englobará as condições especiais estabelecidas, sem as quais, o evento jamais ocorreria. E a causa geral não é “um nada”, vale lembrar.

Ainda um terceiro ponto pode ser abordado contra a “teoria do nada + a teoria dos eventos sem causa”: a impossibilidade de se provar ou evidenciar que algo surgiu do nada e/ou sem causa alguma. Ninguém pode provar que algo surgiu do nada ou que não teve causa. O que se faz é olhar para um efeito ao qual não se conseguiu determinar a causa e dizer que ele não foi causado. Isso não é uma prova. Isso é especulação grosseira e que milita contra a própria ciência, já que abre mão da razão.

É mais ou menos como quando dizemos que um amigo apareceu do nada por não tê-lo visto chegar. Ninguém que seja racional pensará que tal amigo surgiu espontaneamente do nada, sem nenhuma causa ou explicação. Mas é nisso que deveríamos crer se o fato de não determinar a causa de um evento nos conduzisse logicamente à conclusão de que tal evento realmente não teve causa.

Aliás, o cenário que um ateu tem que estar disposto a aceitar caso sustente que as partículas subatômicas e também o universo surgem sem causa, sem explicação e do nada (em todos os sentidos que a palavra pode oferecer) é absurdo. O apologista James Sinclair, em um artigo escrito com William Lane Craig, afirma:

“Se coisas podem aparecer em existência, então tudo e qualquer coisa pode aparecer, sem restrições e sem nenhuma probabilidade ligada ao fato. Então, você não pode dizer: ‘Isso pode acontecer, mas apenas com universos’. Você não pode dizer: ‘Pode acontecer com universos, mas nós não podemos vê-los porque eles não interagem entre si’. Você não pode dizer: ‘Isso pode acontecer, mas é raro e, por isso, eu não espero um universo aparecendo na xícara do meu café na próxima manhã (ou um elefante rosa com uma gravata borboleta)’.

“As implicações totais disso seriam o cenário cético máximo: sem pensamentos e observações. Nada poderia em qualquer hipótese ser seguramente atribuído a algum processo evolucionário baseado na física, porque qualquer coisa simplesmente poderia ocorrer sem explicação”.

Assim, a teoria de que o universo teria se originado do nada, sem nenhuma causa ou explicação, não só é incoerente e logicamente inválida, como terrivelmente perigosa para quem se julga racional. Para aceitá-la, mesmo sendo tão falha, é necessário que o indivíduo abra mão de todo o sistema de pensamento em que vivemos e aceite esse cenário incrivelmente cético, onde qualquer coisa pode acontecer do nada e sem explicação.

Tentativa de Refutação 3: Teoria do Universo Eterno (sem início)
Uma terceira teoria criada para resolver o problema da causa do universo sem início, sempre existente. Já explicamos no artigo anterior que essa ideia, em primeiro lugar, não possui lógica. Um tempo que fosse eterno para trás impossibilitaria a existência de modificações e movimento (ver artigo anterior). Não haveria passagem de tempo. Tudo seria absolutamente estático e imutável. Como o universo não é assim, evidentemente, segue-se que houve um começo para o tempo. E sendo o tempo é um dos componentes do universo, o próprio universo precisa ter tido um início.

Um segundo problema da teoria, também já mencionado no artigo anterior, é que os avanços da ciência apontam para um início do universo. Citamos duas evidências científicas: a segunda lei da termodinâmica e a expansão do universo (conhecida como teoria do big bang). Como já falamos bem da segunda lei da termodinâmica no outro post, vamos nos deter um pouco sobre a expansão do universo.

No livro “Em Guarda”, o filósofo William Lane Craig, explica a teoria proposta por Friedman e Lamaitre (e confirmado por vários astrônomos e cientistas depois) por meio de uma analogia. Craig, para quem não sabe, é um dos melhores apologistas cristãos do mundo. PhD em filosofia e teologia, é autor de vários livros e já participou de muitos debates teológicos e contra ateus, em universidades renomadas. No trecho em questão, ele pede que imaginemos um balão com botões colados na sua superfície. Cada botão representa uma galáxia e o balão, o espaço. Na medida em que enchemos o balão, os botões se afastam um do outro. É isso o que a ciência confirmou estar ocorrendo com o nosso universo. Craig complementa:

“Se o balão de nosso exemplo não tivesse um tamanho mínimo, mas pudesse encolher e encolher cada vez mais, com o tempo a distância entre dois pontos quaisquer na superfície, do balão se reduziria a zero. Segundo o modelo Friedman-Lamaitre, é isso que acontece com o espaço na medida em que se volta no tempo. Chegará um momento em que a distancia entre os dois pontos se tornará zero. Não tem como ficar mais perto do que isso! Então, quando chegar a esse ponto você terá chegado ao limite espaço-tempo. Espaço e tempo não tem como regredir além desse ponto. É literalmente falando a origem do espaço e tempo”.

Dr. Craig facilita ainda mais a explicação comparando o espaço-tempo com um cone ou funil. Ele pontua:

“O que chama a atenção nessa representação é o fato de que, enquanto um cone pode se expandir indefinidamente em uma direção, ele possui um ponto limite na outra direção. Devido a essa direção representar o tempo e o ponto limite ficar no passado, o modelo implica que o tempo passado é finito e teve uma origem. E porque o espaço-tempo é a arena em que toda a matéria e energia existem, a origem do espaço tempo é também a origem de toda a matéria e energia. É a origem do universo”.

Obviamente, estamos dando uma explicação extremamente resumida e simplificada do modelo de expansão do universo conhecido como “big bang”. A ideia não é exaurir o assunto, mas apenas dar uma noção do assunto ao leitor, sobretudo ao leitor leigo em apologética e em física. O tratamento mais aprofundado pode ser encontrado em livros que em breve iremos indicar. De qualquer forma, fica claro aqui que evidências lógicas e científicas apontam para a origem do universo.

Tentativa de Refutação 4: Teoria da autocriação do universo
Sim, há quem defenda a teoria de que o universo, de certa forma, fez surgir a si mesmo. Mas para sustentar isso é preciso um enorme exercício retórico, já que se trata, evidentemente, de uma contradição lógica. Algo que não existe não pode vir a fazer alguma coisa. Para fazer alguma coisa é necessário existir primeiro. E se algo já existe, não criará a si mesmo, porque já existe. Se uma mulher ainda não nasceu, não pode ficar grávida e gerar um filho. Como uma mulher que não existe vai parir um filho?

Tentativa de Refutação 5: Teoria dos múltiplos universos
Completando o leque de absurdos, temos a teoria de que o universo na verdade é somente um de trilhões de outros universos, que por muita sorte reuniu informações necessárias para dar certo. Muito bem. E daí? Isso não explica de onde ele surgiu, como surgiu, porque surgiu, qual é a sua causa, enfim, não explica nada. Antony Flew, importante filósofo do século XX, tendo sido ateu por mais de cinquenta anos e mudado de opinião nos anos 2000, brinca com isto no livro Deus existe:

“Como já mencionei, não achei muito útil a alternativa do multiverso. A hipótese de múltiplos universos, sustentei, era uma alternativa desesperada. Se a existência de um único universo requer uma explicação, universos múltiplos requerem uma muito maior: o problema é aumentado pelo fator de que teríamos de descobrir o número total desses universos. Vejo isso um pouco como o caso do menino cujo professor não acredita que o cachorro comeu sua lição de casa e que muda a primeira versão da história, dizendo que não foi apenas um cachorro que fez aquilo, mas um enorme bando deles”.

Considerações Finais
Terminamos aqui nossa breve exposição sobre o argumento cosmológico e as tentativas de refutação do mesmo. Procuramos expor o tema em uma linguagem bastante simples e resumida. Por isso não abordamos aqui variações do argumento cosmológico, nem sua história, nem as evidências para a expansão do universo e as discussões pormenorizadas sobre o modelo Friedman-Lamaitre. Estes e outros aprofundamentos são encontrados nas seguintes obras:

– “Não tenho fé suficiente para ser ateu”, Norman Geisler e Frank Turek;
– “Apologética Contemporânea: a veracidade da fé cristã”, William Lane Craig;
– “Em Guarda: Defenda a fé cristã com razão e precisão”, William Lane Craig;
– “Filosofia e Cosmovisão Cristã”, J. P. Moreland e William Lane Craig;
– “Deus existe”, Antony Flew.

No próximo post da série, vamos estudar um pouquinho sobre o chamado argumento teleológico. É outro argumento muito interessante para a existência de Deus.

______________________

Posts da Série:

Parte 1: Argumento Cosmológico

Parte 2: Fugindo do óbvio

Parte 3: Argumento Teleológico

Parte 4: Argumento Moral

Parte 5: Um mundo amoral

Parte 6: Argumento da Razão

Parte 7: A possibilidade lógica de milagres

Parte 8: Argumento da Ressurreição