Por Davi Caldas

Você já ouviu falar no Argumento Cosmológico? Também conhecido pelo nome de Argumento da Primeira Causa, ele propõe que o universo um dia começou a existir e que a causa desse início foi um agente externo, transcendente. Em geral, chamamos esse agente de “Deus”. O argumento pode ser descrito da seguinte forma:

(1) Tudo o que começa a existir tem uma causa;
(2) O Universo começou a existir;
(3) Logo, ele teve uma causa.

Quais são as implicações disso? Bom, se o universo não existia e alguma coisa o causou, obviamente não pode ter sido o próprio universo, nem nada que faz parte do universo. O universo é formado de tempo, espaço, matéria e energia, elementos que são interligados e interdependentes. Nada disso existia. Logo, nada disso pode ser a causa do universo. O que o gerou, então? Só há uma resposta: um agente transcendente (que está além da natureza, fora dela) e com capacidade de fazer surgir tudo. Veja que é tudo uma questão de lógica, apenas.

Mas será que esse argumento está correto? Para avaliar isso, precisamos analisar se suas duas primeiras afirmações (vamos chamar de premissas) estão corretas. Se elas estiverem corretas, necessariamente a conclusão também estará. Vejamos a primeira premissa. Tudo o que tem um começo tem uma causa? Certamente! Esse é o principio básico da ciência, aliás. A ciência busca as causas dos fenômenos, dos acontecimentos, das coisas que tiveram um começo. Se, por exemplo, não havia árvore no meu quintal e passou a ter, isso tem uma causa. A árvore não surgiu sem causa. Negar isso é negar a própria ciência. A primeira premissa, portanto, é inegável.

Vejamos agora a segunda premissa. O universo teve um começo? Existem várias razões para crermos que sim. Listaremos três.

1) Lógica: A primeira é que o tempo (que faz parte do universo) não pode ser eterno para trás. Por quê? Porque um tempo eterno para trás impediria que qualquer evento ocorresse no universo. Vou explicar melhor. Imagine o tempo como uma grande linha com pontos numerados. Eu faço algo no ponto 4. Se essa linha tem um começo, vamos supor no 0, então passaram-se quatro pontos para que eu fizesse algo.
Agora, se o tempo é infinito para trás, não tendo um começo, então vão se passar infinitos pontos até que eu faço esse algo. Mas como o infinito não tem fim, então nunca vai chegar o ponto em que eu faço algo. Na verdade, nunca vai chegar o ponto em que eu faça qualquer coisa. Nunca chegará o ponto em que ocorra qualquer alteração no universo, porque sempre haverá um tempo infinito antes. Daí se segue que o tempo precisa ter tido um começo.

2) A Segunda Lei da Termodinâmica: Esta é uma lei da física, que provavelmente o leitor já estudou na escola. A lei afirma que em um sistema fechado a quantidade total de energia permanece sempre constante, não se perdendo, nem aumentando. Mas ela pode se transformar (conforme versa, aliás, o axioma de Lavoisier). Assim, energia utilizável se transforma em energia inutilizável na medida em que é usada. Podemos entender isso melhor com dois exemplos. O primeiro é o de um carro. Abastecemos nosso automóvel com combustível. Na medida em que andamos com ele, sua energia utilizável (combustível) é consumida, transformando-se em energia inutilizável para aquele fim. Em determinado ponto toda a energia utilizável já foi gasta. Então, o carro não funciona mais.

Talvez um exemplo melhor seja o do trem movido à carvão. Depois que todo o carvão vira cinza, não há mais combustível utilizável. Nada se criou, nada se perdeu, mas tudo se transformou (axioma de Lavoisier), o que torna impossível ao trem continuar andando. Se o sistema for fechado, não surgirá nova energia para colocar o trem em funcionamento (pois a quantidade de energia no sistema fechado é sempre a mesma). Aplicando o raciocínio ao universo, isso significa que um dia toda a energia utilizável do universo terá sido gasta, não havendo mais estrelas, sóis e, consequentemente, vida. O universo morrerá.

Ora, mais se esse é o destino inevitável do universo, o tempo não pode ser infinito. Se o fosse, toda a energia já teria sido gasta e o universo já estaria morto. Logo, deve ter havido um começo para o universo.

3) A teoria do Big Bang: Muitos cristãos creem que a teoria do Big Bang é contrária a Deus. Isso é um equívoco. A chamada teoria do Big Bang afirma que o universo está em expansão e que houve um ponto inicial nesse movimento de dilatação. Este ponto inicial é uma linha limite na qual toda a matéria existente estava absolutamente coesa e tempo e espaço tiveram sua origem, a partir de uma explosão. Não havia universo antes desse ponto, geralmente chamado de “singularidade inicial”.

Antes da teoria do Big Bang, os ateus encaravam o universo como eterno e estático, sem início. No entanto, através das observações e cálculos de físicos e astrônomos como Alexander Friedman, George Lamaitre (que também era padre), Edwin Hubble, Arno Penzias, Robert Wilson e George Gamov, a ciência constatou que o universo estava em constante expansão desde um início determinado.

Então, a impossibilidade lógica de um passado infinito, a segunda lei da termodinâmica e a teoria do Big Bang confirmam que o universo teve um inicio.

Se as duas premissas estão corretas, segue-se que a conclusão também está. O universo teve um causa. Mas o quê causou o universo? Como já vimos, a causa não pode ter sido o próprio universo, nem nada que o forma, pois nada disso existia e não faz sentido falar em algo que formou a si mesmo. Daí se segue que a causa do universo seria uma entidade que está além de tempo, espaço, matéria e energia; uma entidade que criou todas essas coisas. Tradicionalmente, essa entidade é chamada de Deus.

Agora, veja como as coisas se encaixam:

(1) Um agente causador que não tem início (isto é, não começa a existir) também não precisa de uma causa, pois só o que começa a existir precisa de uma causa. Deus, não tendo início, não precisa de um causa. Logo, a pergunta: “Quem criou Deus?” não faz sentido.

Segue uma explicação mais complexa. Só tem começo aquilo que está circunscrito no tempo. Por quê? Porque “começo” é sempre uma relação temporal. Ela indica/requer uma modificação no estado das coisas. Algo era de um jeito e não é mais, logo forma-se dois momentos. Ou seja, toda modificação requer o fator “tempo”. E onde quero chegar com isso? No seguinte: Deus é, por essência, atemporal. Logo, ele não só não precisa como não pode ter um começo. No “não-tempo”, não há sucessão de eventos, logo, não há começos. Tudo é imutável. As coisas mudam no momento em que o tempo é criado e com ele todas as coisas. Aí passa a haver mudanças e começos. Antes disso, não.

(2) Um agente causador de todas as coisas é, por certo, muito poderoso. Ademais, tendo ele criado todas as coisas, não está sujeito a nenhuma delas. Logo, ele detém o poder sobre todas. É onipotente.

(3) Uma vez que a natureza do causador do universo é atemporal e imutável, Ele só pode ter rompido a imutabilidade do “não-tempo” através do livre arbítrio. Em outras palavras, ele não causou o universo por uma necessidade mecânica de sua natureza, mas por mera vontade. Logo, ele é um ser pessoal.

(4) Então, a causa do universo é um agente transcendente, onipotente, não-causado e pessoal. São exatamente as características que monoteístas atribuem a Deus há milênios, não é mesmo? Como podemos ver, o argumento cosmológico demonstra que é bastante racional crer em Deus.

No próximo artigo responderemos a algumas tentativas de objeções feitas ao argumento cosmológico. E no terceiro artigo, vamos analisar outro argumento para a existência de Deus: o argumento teleológico.

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Posts da Série:

Parte 1: Argumento Cosmológico

Parte 2: Fugindo do óbvio

Parte 3: Argumento Teleológico

Parte 4: Argumento Moral

Parte 5: Um mundo amoral

Parte 6: Argumento da Razão

Parte 7: A possibilidade lógica de milagres

Parte 8: Argumento da Ressurreição